Mas por que a palavra ‘charneca’ teria sido escrita?”
“Porque ele não conseguiu encontrá-la impressa. As outras palavras eram todas simples, podiam ser encontradas em qualquer número, mas ‘charneca’ seria menos comum.”
“Ora, é claro, é uma boa explicação. Percebeu mais alguma coisa nesta mensagem, Mr. Holmes?”
“Há uma ou duas indicações, embora tenham sido feitos os maiores esforços para remover todas as pistas. O endereço, como podem observar, está escrito em letras de forma grosseiras. Mas o Times é um jornal raramente encontrado senão nas mãos de pessoas com instrução superior. Podemos supor, portanto, que a carta foi composta por um homem instruído que desejou se passar por inculto, e seu esforço para disfarçar a própria letra sugere que ela pode ser conhecida, ou vir a ser conhecida pelo senhor. Por outro lado, observe que as palavras não estão coladas numa linha precisa, algumas estando mais altas que as outras. “Vida”, por exemplo, está completamente fora do devido lugar. Isso pode indicar descuido, ou pode indicar nervosismo e pressa por parte do remetente. No geral, inclino-me por esta segunda hipótese, já que o assunto era de evidente importância, e é improvável que o autor de uma carta como esta fosse descuidado. Se ele estava com pressa, isso abre uma interessante questão: por que estaria apressado, se qualquer carta postada até o início da manhã chegaria a Sir James antes que ele deixasse seu hotel? Será que o remetente temia ser interrompido? E por quem?
“Estamos entrando agora no campo das conjecturas”, disse o dr. Mortimer.
“Diga antes no campo em que comparamos probabilidades e escolhemos as maiores. Trata-se do uso científico da imaginação, mas temos sempre uma base material em que fundar nossas especulações. Ora, os senhores sem dúvida chamariam isso de conjectura, mas tenho quase certeza de que este endereço foi escrito num hotel.”
“Como pode dizer tal coisa?”
“Se o examinar com atenção, verá que tanto a caneta como a tinta deram trabalho ao escritor. A caneta respingou duas vezes numa única palavra, e ficou seca três vezes durante a redação de um curto endereço, mostrando que havia muito pouca tinta no tinteiro. Ora, dificilmente se permitiria que uma caneta ou um tinteiro privados ficassem nesse estado, e a combinação das duas coisas deve ser muito rara. Mas os senhores conhecem a caneta e a tinta dos hotéis, onde é raro conseguir coisa melhor. Sim, hesito muito pouco em dizer que, se pudéssemos vasculhar as cestas de lixo dos hotéis em torno de Charing Cross até encontrar os restos do editorial mutilado do Times, poderíamos pôr as mãos imediatamente sobre a pessoa que enviou esta singular mensagem. Opa! Mas o que é isto?”

“Segurando-o a apenas uns cinco centímetros dos olhos.”
[Sidney Paget, Strand Magazine, 1901]
Ele examinava atentamente o papel ofício sobre o qual as palavras estavam coladas, segurando-o a apenas uns cinco centímetros dos olhos.
“Então?”
“Nada”, respondeu, largando-o. “É uma meia folha de papel em branco, não tem sequer marca-d’água. Acho que já extraímos tudo que podemos desta curiosa carta; e agora, Sir Henry, mais alguma coisa de interesse lhe aconteceu desde que está em Londres?”
“Ora, não, Mr. Holmes. Creio que não.”
“Não observou ninguém o seguindo ou vigiando?”
“Parece que mergulhei de cheio num dramalhão”, disse nosso visitante. “Por que cargas-d’água alguém haveria de me seguir ou me vigiar?”
“Logo chegaremos a isso. Não tem mais nada para nos relatar antes de entrarmos nesse assunto?”
“Bem, depende do que considera digno de ser relatado.”
“Penso que qualquer coisa que escape à rotina ordinária da vida merece por certo ser relatada.”
Sir Henry sorriu. “Ainda não conheço muito da vida britânica, pois passei quase toda a minha vida nos Estados Unidos e no Canadá. Mas creio que perder as botinas não é parte da rotina ordinária da vida por aqui.”
“Perdeu uma de suas botinas?”
“Meu caro senhor”, exclamou o dr. Mortimer, “ela apenas se extraviou. Vai encontrá-la quando voltar ao hotel.
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