Mortimer, e este lhe contou todos os detalhes sobre a chegada de Henry Baskerville. A primeira ideia de Stapleton foi que esse jovem estrangeiro do Canadá poderia ser morto em Londres, antes mesmo de chegar a Devonshire. Ele desconfiava de sua mulher desde que ela se recusara a ajudá-lo a preparar uma armadilha para o velho, e não ousava perdê-la de vista por muito tempo, temendo perder seu controle sobre ela. Foi por essa razão que a levou para Londres consigo. Hospedaram-se, suponho, no Mexborough Private Hotel, em Craven Street, que foi realmente um daqueles visitados por meu agente à procura de indícios. Ali, manteve a mulher aprisionada em seu quarto, enquanto ele, disfarçado com uma barba, seguia o dr. Mortimer até Baker Street e mais tarde até a estação e ao Northumberland Hotel. Sua mulher tinha alguma suspeita de seus planos; sentia, porém, tamanho medo do marido — um medo fundado em maus-tratos brutais — que não ousou escrever para advertir o homem que sabia estar em perigo. Se a carta caísse nas mãos de Stapleton, sua vida não estaria a salvo. Finalmente, como sabemos, ela adotou o expediente de recortar as palavras que formariam a mensagem e de endereçar a carta com uma letra disfarçada. A mensagem chegou ao baronete e deu-lhe o primeiro aviso sobre o perigo que o ameaçava.

“Era essencial para Stapleton conseguir alguma peça de vestuário de Sir Charles, de modo que, se fosse compelido a usar o cão, pudesse ter sempre o meio de lançá-lo no seu rastro. Com diligência e audácia peculiares, tratou disso imediatamente, e não podemos duvidar de que o engraxate ou a camareira do hotel tenha recebido um gordo suborno para ajudá-lo em seu plano. Um acaso, porém, fez com que a primeira botina conseguida para ele fosse nova, e, portanto, inútil para seu propósito. Ele devolveu-a então e conseguiu uma outra — um incidente extremamente instrutivo, pois provou conclusivamente para mim que estávamos lidando com um cão verdadeiro, pois nenhuma outra suposição podia explicar essa ansiedade por obter uma botina velha e essa indiferença por uma nova. Quanto mais bizarro e grotesco é um incidente, mais cuidadosamente merece ser examinado, e o próprio ponto que parece complicar um caso é, quando devidamente considerado e cientificamente tratado, o que mais chances tem de elucidá-lo.

“Depois tivemos a visita de nossos amigos na manhã seguinte, sempre seguidos por Stapleton no hansom. O fato de ele conhecer meu apartamento e minha aparência, bem como sua conduta geral, levam-me a pensar que a carreira criminosa de Stapleton não se limitou em absoluto a esse único caso de Baskerville. É sugestivo que durante os últimos três anos tenha havido seis roubos consideráveis na região Oeste, pelos quais nenhum criminoso jamais foi preso. O último deles, em Folkestone Court, em maio, foi notável pelo tiro dado a sangue-frio no mensageiro que surpreendeu o ladrão mascarado e solitário. Não posso duvidar de que Stapleton amealhou seus recursos decrescentes dessa maneira, e que durante anos foi um homem desesperado e perigoso.

“Tivemos um exemplo de sua presença de espírito aquela manhã, quando escapou de nós com tanto sucesso, e também de sua audácia ao me mandar de volta meu próprio nome através do cocheiro. A partir daquele momento ele compreendeu que eu assumira o caso em Londres e que portanto não havia nenhuma chance para ele ali. Voltou para Dartmoor e esperou a chegada do baronete.”

“Um momento”, atalhei. “Não há dúvida de que descreveu a sequência dos eventos corretamente, mas há um ponto que deixou inexplicado. Que foi feito do cão quando seu dono estava em Londres?”

“Dei alguma atenção a essa questão, e ela é de indubitável importância. Não pode haver dúvida de que Stapleton tinha um confidente, embora seja improvável que jamais tenha se posto em seu poder partilhando todos os seus planos com ele. Havia um velho empregado na Casa Merripit, cujo nome era Anthony. Sua relação com os Stapleton pode ser retraçada por muitos anos, remontando a seus dias de diretor de colégio, de modo que ele devia saber que seus patrões eram na realidade marido e mulher. Esse homem desapareceu e fugiu do país. É sugestivo que Anthony não seja um nome comum na Inglaterra, ao passo que Antonio o é em todos os países hispânicos e hispano-americanos. O homem, como a própria Mrs. Stapleton, falava um bom inglês, mas com um sotaque curioso.