Em 1824, quando o filho Karl tinha seis anos, Hirschel converteu a família ao cristianismo e adotou o nome mais germânico de Heinrich. Para um homem que professava o deísmo desvinculado de toda crença ritualizada, o ato de conversão não fez mais do que sancionar a integração no ambiente intelectual dominado pelo laicismo. Karl, que perdeu o pai aos vinte anos, em 1838, recebeu dele orientação formadora vigorosa, da qual guardaria recordação sempre grata.

Durante o curso de Direito, iniciado na Universidade de Bonn e prosseguido na de Berlim, o estudante Karl encontrou um ambiente de grande vivacidade cultural e política. O supremo mentor ideológico era Hegel, mas uma parte dos seus seguidores — os Jovens Hegelianos

— interpretava a doutrina no sentido do liberalismo e do regime cons-titucional democrático, podando os fortes aspectos conservadores do sistema do mestre, em especial sua exaltação do Estado. Marx fez a iniciação filosófica e política com os Jovens Hegelianos, o que o levou ao estudo preferencial da filosofia clássica alemã e da filosofia em geral. Esta formação filosófica teve influência espiritual duradoura e firmou um dos eixos de sua produção intelectual.

Se foi hegeliano, o que é inegável, nunca chegou a sê-lo de maneira estrita. Não só já encontrou a escola hegeliana numa fase de cisão adiantada, como ao seu espírito inquieto e inclinado a idéias anticon-servadoras, na atmosfera opressiva da monarquia absolutista prussiana, o sistema do mestre consagrado devia parecer uma camisa-de-força.

Em carta ao pai, já em 1837, escrevia: “a partir do idealismo (...) fui levado a procurar a Idéia na própria realidade (...)”. A esse respeito, também é sintomático que escolhesse a relação entre os filósofos gregos materialistas Demócrito e Epicuro para tema de tese de doutoramento, defendida na Universidade de Iena. Embora inspirada nas linhas mestras da concepção hegeliana da história da filosofia, desponta na tese um impulso para transcender àquela concepção, num sentido que somente mais tarde se tornaria claro.

Em 1841, Ludwig Feuerbach dava a público A Essência do Cristianismo. O livro teve forte repercussão, pois constituía a primeira investida franca e sem contemplações contra o sistema de Hegel. O

idealismo hegeliano era desmistificado e se propunha, em seu lugar, 6

MARX

uma concepção materialista que assumia a configuração de antropologia naturista. O homem enquanto ser natural, fruidor dos sentidos físicos e sublimado pelo amor sexual, colocava-se no centro da natureza e devia voltar-se para si mesmo. Estava, porém, impedido de fazê-lo pela alienação religiosa. Tomando de Hegel o conceito de alienação, Feuerbach invertia os sinais. A alienação, em Hegel, era objetivação e, por conseqüência, enriquecimento. A Idéia se tornava ser-outro na natureza e se realizava nas criações objetivas da história humana. A recuperação da riqueza alienada identificava Sujeito e Objeto e culminava no Saber Absoluto. Para Feuerbach, ao contrário, a alienação era empobreci-mento. O homem projetava em Deus suas melhores qualidades de ser genérico (de gênero natural) e, dessa maneira, a divindade, criação do homem, apropriava-se da essência do criador e o submetia. A fim de recuperar tal essência e fazer cessar o estado de alienação e empobre-cimento, o homem precisava substituir a religião cristã por uma religião do amor à humanidade.

Causador de impacto e recebido com entusiasmo, o humanismo naturista de Feuerbach foi uma revelação para Marx. Apetrechou-o da visão filosófica que lhe permitia romper com Hegel e transitar do idealismo objetivo deste último em direção ao materialismo. Não obstante, assim como nunca chegou à plenitude de hegeliano, tampouco se tornou inteiramente feuerbachiano. Apesar de jovem e inexperiente, era dotado de excepcional inteligência crítica, que o levava sempre ao exame sem complacência das idéias e das coisas. Ao contrário de Feuerbach, que via na dialética hegeliana apenas fonte de especulação mis-tificadora, Marx intuiu que essa dialética devia ser o princípio dinâmico do materialismo, o que viria a resultar na concepção revolucionária do materialismo como filosofia da prática.

Entre 1842 e 1843, Marx ocupou o cargo de redator-chefe da Gazeta Renana, jornal financiado pela burguesia.