O irmão mais novo tomou o caminho da preguiça, da ignorância e do vício. Era muito bagunceiro, o que fazia franzir a sobrancelha de dom Cláudio, embora, quando fosse engraçado e espirituoso, proporcionasse ao irmão mais velho boas risadas.
Dom Cláudio, então, desencorajado em suas afeições humanas, tinha-se lançado com maior entrega aos braços da ciência, esta irmã que não ri diante de nossos narizes. Tornou-se assim cada vez mais sábio e, ao mesmo tempo, mais rígido como padre e mais triste como homem.
Tomado por uma paixão singular por Notre-Dame, passava horas intermináveis contemplando as esculturas do portal. Ele se acomodara num pequeno quarto numa das torres que dava para a Praça da Greve, bem ao lado do campanário. Ninguém entrava ali. Via-se freqüentemente, à noite, por uma pequena janela, uma claridade vermelha, intermitente, estranha — fruto de suas experiências com a alquimia. À sombra e àquela altura, isto tinha um efeito singular.
Assim o arcebispo, apesar da austeridade de sua vida, não caíra nas graças das boas almas, que não hesitavam em acusá-lo de bruxaria.
Observava-se, além disso, que seu horror para com os vagabundos parecia aumentar havia algum tempo. Ele solicitara ao bispo uma lei que proibisse expressamente aos ciganos dançar em torno da igreja.
Assim, ele e o sineiro eram bem pouco apreciados nas proximidades da catedral. Quando Cláudio e Quasímodo saíam juntos caminhando, o empregado seguindo o mestre, nas ruas estreitas e sombrias do quarteirão de Notre-Dame, sempre alguns palavrões e algumas gozações incomodavam a passagem dos dois. Às vezes, era um menino ousado que arriscava a pele e os ossos para ter o prazer indescritível de espetar um alfinete na Corcunda de Quasímodo. Às vezes, um grupo de velhas, reunido na sombra de um pórtico, resmungava em voz alta e lançava uma irônica saudação: "Aí vai um que tem a alma igual ao corpo do outro!". Ou era um bando de alunos que os cumprimentava com algumas vaias. Geralmente, o insulto passava despercebido pelo padre e pelo sineiro. Para escutar estas coisas graciosas, Quasímodo era surdo; e dom Cláudio, bastante distraído.
CAPÍTULO 5
A magistratura
É necessário que façamos agora a apresentação do senhor Roberto d'Estouteville, chefe da magistratura encarregado de garantir os melhores serviços da justiça ao povo de Paris. Na manhã de 7 de janeiro de 1482, ele acordou de mau humor. De onde vinha tamanha indisposição não se poderia dizer. Era o dia seguinte a uma festa, dia de aborrecimento para todos e principalmente para o magistrado, que deveria ter sessão no Palácio Châtelet. Percebemos com freqüência que os juizes se arranjam em geral de modo que seu dia de audiência seja também seu dia de mau humor.
Contudo, os trabalhos haviam começado sem ele e os tenentes cumpriam seus afazeres, de acordo com o hábito. Desde as oito horas da manhã, algumas dezenas de burgueses, reunidos num canto escuro do auditório, assistiam com prazer ao espetáculo variado e alegre da justiça praticada pelo juiz-ouvidor do Palácio Châtelet, senhor Florian Bardebienne, tenente do magistrado.
Imagine-se em uma mesa, entre duas pilhas de processos, o ouvidor apoiado sobre os cotovelos, o pé sobre a toga de tecido marrom, o rosto de lobo em pele de cordeiro, piscando um olho e carregando com majestade a gordura das bochechas que caíam sob seu queixo. Pequeno defeito para um ouvidor, o senhor Florian era surdo, nem por isso julgava-se menos capaz. Diante dele, acusados sucediam acusados e todos recebiam multas por delitos de pouca importância.
De repente, ouviu-se do lado dos policiais um grande barulho.
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