O cônego, pesado, cerrava as pálpebras; tudo na sala parecia ir gradualmente adormecendo; a luz do candeeiro esmorecia.

- Pois senhores, disse por fim o cônego mexendo-se, isto são horas!

O padre Amaro ergueu-se, e com os olhos baixos deu as graças.

- O senhor pároco quer lamparina? perguntou cuidadosamente a S. Joaneira.

- Não, minha senhora. Não uso. Boas noites!

E desceu devagar, palitando os dentes.

A S. Joaneira alumiava no patamar, com o candeeiro. Mas nos primeiros degraus o pároco parou, e voltando-se, afetuosamente:

- É verdade, minha senhora, amanhã é sexta-feira, é jejum...

- Não, não, acudiu o cônego que se embrulhava na capa de lustrina, bocejando, você amanhã janta comigo. Eu venho por cá, vamos ao chantre, á Sé, e por aí... E olhe que tenho lulas. É um milagre, que isto aqui nunca há peixe.

A S. Joaneira tranqüilizou logo o pároco.

- Ai, é escusado lembrar os jejuns, senhor pároco. Tenho o maior escrúpulo!

- Eu dizia, explicou o pároco, porque infelizmente hoje em dia ninguém cumpre.

- Tem vossa senhoria muita razão, atalhou ela. - Mas eu! credo!... A salvação da minha alma antes de tudo!

A campainha embaixo, então, retiniu fortemente.

- Há-de ser a pequena, disse a S. Joaneira. Abre, Ruça!

A porta bateu, sentiram-se vozes, risinhos.

- És tu, Amélia?

Uma voz disse adeusinho! adeusinho! E apareceu, subindo quase a correr, com os vestidos um pouco apanhados adiante, uma bela rapariga, forte, alta, bem-feita, com uma manta branca pela cabeça e na mão um ramo de alecrim.

- Sobe, filha. Aqui está o senhor pároco. Chegou agora à noitinha, sobe!

Amélia tinha parado um pouco embaraçada, olhando para os degraus de cima, onde o pároco ficara, encostado ao corrimão. Respirava fortemente de ter corrido; vinha corada; os seus olhos vivos e negros luziam; e saía dela uma sensação de frescura e de prados atravessados.

O pároco desceu, cingido ao corrimão, para a deixar passar, murmurando boas-noites! com a cabeça baixa.