E detendo um momento o pároco, pela manga do casaco:
- Vai você ver o que é um caldo de galinha feito cá pela senhora! Da gente se babar!...
No meio da sala de jantar, forrada de papel escuro, a claridade da mesa alegrava, com a sua toalha muito branca, a louça, os copos reluzindo à luz forte dum candeeiro de abajur verde. Da terrina subia o vapor cheiroso do caldo e, na larga travessa a galinha gorda, afogada num arroz úmido e branco, rodeada de nacos de bom paio, tinha uma aparência suculenta de prato morgado. No armário envidraçado, um pouco na sombra, viam-se cores claras de porcelana; a um canto, ao pé da janela, estava o piano, coberto com uma colcha de cetim desbotado. Na cozinha frigia-se; e sentindo o cheiro fresco que vinha dum tabuleiro de roupa lavada, o pároco esfregou as mãos, regalado.
7
- Para aqui, senhor pároco, para aqui, disse a S. Joaneira. Dai pode vir-lhe frio. - Foi fechar as portadas das janelas; chegou-lhe um caixão de areia para as pontas dos cigarros. - E o senhor cônego toma um copinho de geléia, sim?
- Vá lá, para fazer companhia, disse jovialmente o cônego, sentando- se e desdobrando o guardanapo.
A S. Joaneira, no entanto, mexendo-se pela sala, ia admirando o pároco, que, com a cabeça sobre o prato, comia em silêncio o seu caldo, soprando a colher. Parecia bem-feito; tinha um cabelo muito preto, levemente anelado. O rosto era oval, de pele trigueira e fina, os olhos negros e grandes, com pestanas compridas.
O cônego, que não o via desde o seminário, achava-o mais forte, mais viril.
- Você era enfezadito...
- Foi o ar da serra, dizia o pároco, fez-me bem! - Contou então a sua triste existência em Feirão, na alta Beira, durante a aspereza do Inverno, só com pastores. O cônego deitava-lhe o vinho de alto, fazendo-o espumar.
- Pois é beber-lhe, homem! é beber-lhe! Desta gota não pilhava você no seminário.
Falaram do seminário.
- Que será feito do Rabicho, o despenseiro? disse o cônego.
- E do Carocho, que roubava as batatas?
Riram; e bebendo, na alegria das reminiscências, recordavam as histórias de então, o catarro do reitor, e o mestre do cantochão que deixara um dia cair do bolso as poesias obscenas de Bocage.
- Como o tempo passa, como o tempo passa! diziam.
A S. Joaneira então pôs na mesa um prato covo com maçãs assadas.
- Viva! Não, lá nisso também eu entro! exclamou logo o cônego. A bela maçã assada! nunca me escapa! Grande dona de casa, meu amigo, rica dona de casa, cá a nossa S. Joaneira! Grande dona de casa!
Ela ria; viam-se os seus dois dentes de diante, grandes e chumbados. Foi buscar uma garrafa de vinho do Porto; pôs no prato do cônego, com requintes devotos, uma maçã desfeita, polvilhada de açúcar; e batendo-lhe nas costas com a mão papuda e mole:
- Isto é um santo, senhor pároco, isto é um santo! Ai! devo-lhe muitos favores!
- Deixe falar, deixe falar, dizia o cônego. - Espalhava-se-lhe no rosto um contentamento baboso.
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