Vernon Place, então o senhor sabe que tenho condições.
– Bem – admitiu o balconista, com hesitação –, se você não tem, acredito que seu pai terá, com toda certeza.
Tiraram as medidas de Benjamin, e uma semana depois o uniforme estava pronto. Ele teve dificuldades para obter a insígnia de general, porque o negociante não parava de insistir com Benjamin que um bonito distintivo da V.W.C.A. ficaria igualmente vistoso e seria bem mais divertido para brincar.
Sem dizer nada a Roscoe, certa noite ele saiu de casa e seguiu de trem para o Acampamento Mosby, na Carolina do Sul, onde comandaria uma brigada de infantaria. Num dia sufocante de abril ele se aproximou da entrada do acampamento, pagou o táxi que o trouxera da estação e voltou-se para o sentinela que estava de guarda.
– Arranje alguém para carregar a minha bagagem! – ele falou, brusco.
O sentinela fitou-o com ar de reprovação.
– Ora – ele comentou –, onde é que você vai com a roupa do general, filhote?
Benjamin, veterano da Guerra Hispano-Americana, partiu para cima dele com fogo nos olhos, mas também, ai dele, com uma voz instável e aguda.
– Posição de sentido! – ele tentou trovejar, e fez uma pausa para recuperar o fôlego.
De súbito viu o sentinela bater os calcanhares e apresentar a espingarda. Benjamin ocultou um sorriso de gratificação, mas quando olhou num relance para trás o sorriso se dissolveu. Não era ele quem inspirava obediência, e sim um imponente coronel de artilharia que vinha se aproximando a cavalo.
– Coronel! – chamou Benjamin, num grito estridente.
O coronel chegou mais perto, puxou a rédea e o encarou friamente do alto, com uma faísca nos olhos.
– Quem é o seu pai, garotinho? – ele quis saber, amável.
– Logo vou mostrar ao senhor quem é o maldito pai do garotinho! – retorquiu Benjamin, com uma voz enfurecida. – Desça desse cavalo!
O coronel caiu na gargalhada.
– Você quer o cavalo, hein, general?
– Aqui! – exclamou Benjamin, desesperado. – Leia isto.
Ele enfiou sua nomeação na mão do coronel. O coronel leu o documento, seus olhos saltando das órbitas.
– Onde é que você arranjou isto? – ele quis saber, inserindo o documento em seu próprio bolso.
– Arranjei com o governo, como o senhor logo irá constatar!
– Venha comigo – disse o coronel, com uma expressão peculiar. – Me acompanhe até o quartel-general, lá nós vamos passar isso a limpo. Venha.
O coronel virou-se e seguiu em passo lento com o cavalo na direção do quartel-general. Não havia nada que Benjamin pudesse fazer senão segui-lo com a máxima dignidade possível – prometendo a si mesmo, enquanto andava, uma vingança implacável. Mas essa vingança não se materializou. Dois dias depois, no entanto, seu filho Roscoe se materializou vindo de Baltimore, afogueado e exasperado pela viagem repentina, e escoltou o choroso general, sans uniforme, de volta para casa.
XI
Em 1920, nasceu o primeiro filho de Roscoe Button. Durante as festividades de comemoração, no entanto, ninguém julgou ser “a coisa certa” mencionar que o garotinho sujo com aparentes dez anos de idade que brincava pela casa com soldadinhos de chumbo e um circo em miniatura era o avô do novo bebê.
Ninguém antipatizava com esse garotinho cujo rosto fresco e alegre era estampado por um leve vestígio de tristeza, mas para Roscoe Button a presença dele era uma fonte de tormento. Na gíria de sua geração, Roscoe considerava que a situação não era “eficiente”. Parecia-lhe que o pai, não querendo aparentar sessenta anos, não se comportara como um “macho puro-sangue” (a expressão favorita de Roscoe), e sim de um modo curioso e pertinaz. Na verdade, pensar nesse problema por até meia hora o impelia quase às raias da loucura. Roscoe acreditava que os “energizados” deviam se manter jovens, mas estender a prática em tal escala era... era... era ineficiente. E nisso Roscoe se baseava.
Cinco anos mais tarde, o filhinho de Roscoe já tinha idade suficiente para desfrutar de brincadeiras infantis com o pequeno Benjamin sob a supervisão da mesma babá. Roscoe levou-os juntos ao jardim de infância no mesmo dia, e Benjamin descobriu que brincar com pequenas tiras de papel colorido, fazendo capachos ou correntes ou lindos e curiosos modelos, era o passatempo mais fascinante do mundo. Numa ocasião ele foi um menino mau e precisou ficar de castigo num canto – então chorou –, mas na maior parte do tempo as horas eram alegres na divertida salinha, com o sol entrando pelas janelas e a mão bondosa da srta. Bailey pousando por um momento, de vez em quando, em seu cabelo desgrenhado.
O filho de Roscoe entrou na primeira série depois de um ano, mas Benjamin continuou no jardim de infância. Ele estava muito feliz. Às vezes, quando as outras criancinhas falavam sobre o que fariam quando crescessem, uma sombra turvava o seu pequeno rosto, como se ele percebesse, de um modo indistinto e infantil, que aquelas eram coisas das quais ele jamais participaria.
Os dias transcorriam em monótono contentamento. Benjamin voltou pelo terceiro ano ao jardim de infância, mas era pequeno demais, agora, para entender qual o propósito das brilhantes e lustrosas tiras de papel. Benjamin chorava porque os outros meninos eram maiores do que ele; tinha medo deles. A professora falava com ele; Benjamin tentava entender, mas não conseguia entender nem um pouco.
Ele foi tirado do jardim de infância.
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