Marthe estava doente, e seu pai queria lhe fazer uma surpresa: que suas aquarelas figurassem numa exposição beneficente patrocinada por minha mãe. As aquarelas não mostravam nenhum requinte; percebia-se nelas a boa aluna do curso de desenho, espichando a língua, lambendo o pincel.

Os Grangier nos esperavam na plataforma da estação de La Varenne. O sr. e a sra. Grangier deviam ter a mesma idade, cerca de cinquenta anos. Mas ela parecia mais velha que o marido. Sua deselegância, seu talhe pequeno fizeram com que me desagradasse à primeira vista.

Durante a caminhada, iria notar que ela franzia com frequência a sobrancelha, cobrindo a fronte de rugas que levavam um minuto para desaparecer. A fim de que ela tivesse todos os motivos para me desagradar, sem que eu me censurasse por injusto, desejava que falasse de maneira vulgar. Nesse ponto ela me decepcionou.

O pai tinha um ar de bom sujeito, antigo suboficial adorado pelos soldados. Mas onde estava Marthe? Eu tremia ante a perspectiva de um passeio sem outra companhia que a de seus pais. Ela viria no trem seguinte, "em quinze minutos, porque não pôde se aprontar a tempo", explicou a sra. Grangier. "O irmão virá junto."

Quando o trem entrou na estação, Marthe estava de pé sobre o estribo. "Espere o trem parar!", gritou a mãe. Essa imprudência me encantou.

Seu vestido e seu chapéu, muito simples, indicavam sua pouca consideração pela opinião dos outros. Ela segurava a mão de um menino, uma criança pálida com cabelos de albino, cujo estado doentio era traído pelos gestos.

Na estrada, Marthe e eu andávamos na frente. Meu pai vinha logo atrás, entre os Grangier.

Quanto a meus irmãos, bocejavam, com o novo coleguinha fraco, a quem proibiam correr.

Quando cumprimentei Marthe pelas aquarelas, ela me respondeu modestamente que eram apenas estudos. Não lhes dava importância alguma. Poderia me mostrar coisa melhor, flores "estilizadas". Julguei conveniente, sendo o nosso primeiro encontro, não lhe dizer que achava ridículas as flores desse tipo.

Por causa do chapéu, ela não podia me ver direito. Mas eu a observava bem.

— Você não se parece muito com sua mãe — eu disse. Era um galanteio.

— De vez em quando me dizem isso; mas quando você vier a minha casa eu lhe mostrarei fotografias de mamãe ainda jovem; eu me pareço muito.

Essa resposta me entristeceu, e eu roguei a Deus para não ver Marthe quando tivesse a idade da mãe.

Querendo dissipar o mal-estar causado por essa resposta penosa, sem perceber que era penosa apenas para mim, já que felizmente Marthe não via sua mãe com meus olhos, eu falei: — Você não devia pentear seu cabelo dessa maneira; ele fica melhor liso.

Fiquei assombrado, pois nunca havia falado nada semelhante a uma mulher. Havia pensado em como eu mesmo me penteava.

— Pode perguntar a mamãe — ela disse, como se tivesse necessidade de se justificar! — Geralmente eu não me penteio tão mal, mas já estava atrasada e receava perder o segundo trem. Além disso, eu não tinha a intenção de tirar o chapéu.

"Mas que garota é essa", pensava eu, "que deixa um menino criticar seu penteado?"



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1 O ano letivo termina no final de junho na França e nos demais países da Europa. (N.T.)

2 Alusão a uma brincadeira de crianças. (N.T.)

3 Referência ao processo contra a mulher do ministro das Finanças, Caillaux, que havia matado o diretor do Le Figaro em março de 1914, após o jornal publicar uma série de artigos contra seu marido. O processo despertou enorme atenção e terminou com a absolvição da ré. Já o atentado de Sarajevo designa, como se sabe, o assassinato do arquiduque da Áustria e de sua esposa, em junho de 1914, que desencadearia a Primeira Guerra Mundial. (N.T.)

4 Jornal satírico publicado entre o final de 1914 e meados de 1915. (N.T.)

5 No sistema escolar francês contava-se, conta-se, do 6º (onze anos de idade) ao 1º ano (dezesseis anos).