Passar também por imbecil ou, mesmo por... coisa pior não constituiria, para mim, no fundo, nada de mais. Repito que já estou fora da vida e não me importo com coisa alguma. Se, portanto, chegando a este ponto, quero raciocinar, é somente por amor à lógica.

Parece-me evidente que Romilda não deve ter feito nada de mau, ao menos no sentido de induzir o tio em engano. Do contrário, por que Malagna iria logo, com música de pancadaria, exprobrar à mulher a traição e acusar a mim, junto de minha mãe, de ter manchado a honra da sobrinha?

Romilda, com efeito, sustenta que, pouco tempo depois daquele nosso passeio à Stia, sua mãe, recebendo dela a confissão do amor que já a prendia indissoluvelmente a mim, ficara uma fúria e lhe gritara na cara que nunca, mas nunca mesmo, consentiria em deixá-la casar-se com um vadio como eu, já quase à beira do abismo. Ora, visto que ela, sozinha, causara a si mesma o pior mal que pode acontecer a uma mocinha, nada mais restava, a ela, mãe previdente, do que tirar desse mal o partido melhor. Qual fosse, era fácil compreender. Quando Malagna chegou, à hora de costume, ela foi embora, com uma desculpa, deixando-a a sós com o tio. E então, ela, Romilda, chorando, diz ela, amargamente, atirou-se aos seus pés, fez-lhe entender qual era a sua desgraça e o que a mãe pretendia dela; rogou-lhe que se interpusesse, que induzisse a mãe à razão, já que ela pertencia, agora, a outro, a quem desejava conservar-se fiel.

Malagna sensibilizou-se, mas só até certo ponto. Disse- lhe que ela era ainda menor e, por isso, sob a autoridade materna e que a mãe, querendo, poderia também agir contra mim, judiciariamente; que ele também, em sã consciência, não teria coragem de aprovar um casamento com um valdevinos como eu, perdulário e desmiolado, e que, portanto, não poderia aconselhá-lo à mãe; disse-lhe que, afinal, ela devia sacrificar alguma coisa à justa e natural indignação materna e que isso, aliás, seria uma sorte para ela; e concluiu que a única coisa que ele poderia fazer seria a de prover, com a condição de que se guardasse, com todos, o maior segredo, prover às necessidades da criança que iria nascer, fazer-lhe as vezes de pai, enfim, já que não tinha filhos e, desde muito, desejava ter um.

E possível, pergunto, ser mais honesto do que isso?

Aí está: tudo aquilo que ele havia roubado ao pai iria devolvê-lo ao filho que iria nascer.

Que culpa tem ele, se eu, depois, ingrato e mal-agradecido, fui entornar-lhe o caldo?

Dois, não! Bem, dois, não, que diabo!

Pareceram-lhe demais, talvez porque, uma vez que Roberto, como disse, já tinha contraído um casamento vantajoso, calculou que não o havia prejudicado a tal ponto que tivesse de devolver também a parte dele.

Concluindo: vê-se que, tendo ido parar no meio de tão boa gente, quem tinha feito o mal todo era eu. E, logo, devia pagar por ele.

Recusei, a princípio, indignado. Depois, atendendo aos pedidos de minha mãe, que já via a ruína da nossa casa e esperava que eu pudesse, de certa forma, salvar-me, casando-me com a sobrinha daquele seu inimigo, cedi e me casei.

Estava suspensa em cima da minha cabeça, terrível, a ira de Marianna Dondi, viúva Pescatore.


5

Maturação

Não havia modo de a bruxa se resignar.

O que você conseguiu? — indagava-me. — Não lhe era suficiente entrar na minha casa como um ladrão, para corromper minha filha e desonrá-la? Não lhe era suficiente?

Bem, não, minha querida sogra! — respondia-lhe. — Porque, se eu ficasse nisso, teria feito um favor à senhora, teria prestado um serviço...

Está ouvindo? — gritava, então, para a filha. — Ele se vangloria, ele tem, ainda por cima, a ousadia de se vangloriar da bonita proeza que fez com aquela... — E se seguia uma seqüência de nomes feios dirigidos a Oliva; em seguida, com as mãos reviradas nos quadris e os cotovelos apontados para a frente: — Mas o que conseguiu? Você não prejudicou, assim, também seu filho? Sim, claro, que lhe importa isso? É seu também o outro...

Jamais deixava de soltar esse veneno, no fim, sabendo o efeito que causava no espírito de Romilda, ciumenta do filho de Oliva, que nasceria na riqueza e na alegria, enquanto o seu, na angústia e na incerteza do futuro e no meio daquela luta toda. Aumentavam-lhe esse ciúme também as notícias que alguma boa alma de mulher, fingindo que não sabia de nada, vinha lhe trazer a respeito da tia Oliva Malagna, que se mostrava tão contente, tão feliz, pela graça que Deus, finalmente, quisera lhe conceder: ah, assemelhava-se a uma flor, nunca estivera tão bonita e saudável!

E ela, Romilda, ao contrário: jogada, ali, numa poltrona, sofrendo de náuseas continuadas; pálida, desfeita, já nem mais bonita, sem mais um só momento de sossego, sem mais nem sequer a vontade de falar ou de abrir os olhos.

Isso, também, era minha culpa? Parecia que sim. Ela já não tolerava ver-me ou ouvir-me. E foi pior ainda quando, para salvar o sítio da Stia, com o moinho, foi preciso vender as casas e minha pobre mamãe se viu obrigada a ingressar no inferno onde eu morava.

De fato, aquela venda não nos serviu de nada. Malagna, com o filho por nascer, que já o capacitava, agora, a não ter mais meias medidas nem escrúpulos, aprontou a última das suas: mancomunou-se com os agiotas e comprou ele mesmo, sem aparecer, as casas, por pouco dinheiro. As dívidas que gravavam Stia continuaram, assim, em sua maioria, a descoberto; e o sítio, juntamente com o moinho, foi colocado, pelos credores, sob administração judicial. Estávamos arruinados.

Que fazer, agora? Dediquei-me, mas quase sem nenhuma esperança, a procurar uma ocupação, qualquer que fosse, para suprir as necessidades mais urgentes da família. Mas não tinha aptidão para nada; e a fama que eu havia adquirido com as minhas façanhas juvenis e a vida de vagabundo certamente não convidava ninguém a dar-me trabalho. Além disso, as cenas que era obrigado a presenciar e nas quais devia tomar parte, diariamente, em casa, tiravam-me a calma de que precisava para recolher-me um pouco e examinar o que poderia e saberia fazer.

Causava-me verdadeira aversão ver minha mãe, ali, em contato com a viúva Pescatore. Minha santa velhinha, que já não os ignorava, mas que, aos meus olhos, não era responsável de seus erros, causados por não ter sabido acreditar que a malvadeza dos homens chegasse àquele ponto, permanecia recolhida em si mesma, com as mãos no colo, os olhos baixos, sentada num cantinho, mas como se não tivesse muita certeza do direito de ficar nesse lugar, como se estivesse sempre à espera de ir embora, de ir embora dentro em breve, se a Deus aprouvesse! E não incomodava nem o ar que respirava. Sorria, de vez em quando, para Romilda, penosamente. Não se atrevia mais a aproximar-se dela; porque, uma vez, poucos dias antes da sua chegada à nossa casa, tendo se oferecido para ajudá-la, tinha sido grosseiramente rechaçada pela bruxa:

Deixe comigo, deixe comigo; eu sei o que devo fazer.

Por prudência, tendo Romilda, realmente, necessidade de auxílio, naquele momento, eu havia ficado quieto; mas cuidava para que ninguém faltasse com o respeito a mamãe.

Percebia, contudo, que essa vigilância em defesa de minha mãe irritava surdamente a megera e, talvez, também minha mulher, e receava que, quando eu não estivesse em casa, elas, para desafogar a cólera e dar vazão à bílis, a maltratassem. Sabia, com toda a certeza, que mamãe jamais me diria nada. E esse pensamento me atormentava. Quantas vezes não a fitei nos olhos, para ver se tinha chorado! Ela me sorria, acariciava-me com o olhar, depois me perguntava:

Por que você me olha assim?

Você está bem, mamãe?

Mal esboçava um gesto com a mão e respondia:

Bem, sim; não está vendo? Vá se encontrar com sua mulher, vá; ela sofre, pobrezinha.

Decidi escrever a Roberto, em Oneglia, para lhe dizer que tomasse, ele, mamãe em casa, não para tirar de cima de mim um peso, que suportaria com o maior prazer, apesar das dificuldades financeiras em que me encontrava, mas apenas pelo bem dela.

Berto respondeu-me que não podia; porque a sua situação, perante a família da esposa e a própria esposa, era sobremodo penosa, após o nosso infortúnio: ele agora vivia do dote da mulher e não poderia, por conseguinte, impor a esta também o peso da sogra.