A vila estava adormecida; na noite, que parecia imensa, entrevia-se vagamente a massa informe das ruínas; cães ladravam. Voltamos a uma sala terrosa, onde havia dois leitos miseravelmente arranjados. Marceline tremia de frio, mas ao menos ali o vento não nos alcançava.
O dia seguinte foi sombrio. Ao sair, fomos surpreendidos pela visão de um céu uniformemente cinzento. O vento soprava ainda, mas com menos ímpeto que na véspera. A diligência só passaria ao anoitecer… Foi um dia lúgubre, aquele. O anfiteatro, percorrido em poucos instantes, me decepcionou; chegou a parecer-me feio, sob o céu embaciado. Talvez minha fadiga ajudasse, aumentasse o meu desgosto. Pelo meio-dia, por desfastio, voltei ali, procurando em vão algumas inscrições sobre as pedras. Marceline, ao abrigo do vento, lia um livro inglês que, por sorte, trouxera consigo. Tornei a sentar-me junto a ela.
— Que dia triste! Não te sentes muito aborrecida? — perguntei.
— Não. Como vês, estou lendo.
— Que viemos fazer aqui? Não sentes frio?
— Não muito. E tu? É verdade! estás tão pálido.
— Não.
À noite, o vento voltou a soprar com força… Afinal, chegou a diligência. E partimos de novo.
Desde os primeiros solavancos, senti-me aniquilado; Marceline, cansadíssima, adormeceu logo sobre o meu ombro. Minha tosse vai acordá-la, pensei, e, com muito cuidado, afastei sua cabeça e inclinei-a contra a coberta da carruagem. Agora, eu já não tossia mais: cuspia; era uma coisa nova; puxava aquilo sem esforço; vinha em pequenas golfadas, a intervalos regulares; era uma sensação tão estranha que, a princípio, não me desagradou, mas logo me causou repugnância pelo gosto desconhecido que me deixava na boca. Meu lenço ficou imprestável. Já sentia aquilo escorrer-me pelos dedos. Devo acordar Marceline?… Felizmente, lembrei-me de uma manta de seda que ela trazia presa à cintura. Tomei-a cuidadosamente. O líquido, que eu já não podia conter, veio com mais abundância. Achava-me extraordinariamente aliviado. É o fim do resfriado, pensava. De repente, me senti muito fraco; tudo começou a girar e julguei que desfaleceria. Devo acordá-la?… qual nada… (Guardo, creio que de minha infância puritana, o horror a todo abandono por fraqueza; dou-lhe o nome de covardia.) Voltei a mim, segurei-me com força, consegui vencer minha vertigem… Imaginei-me de novo no mar, e o ruído das rodas era o ruído das ondas… Tinha deixado de escarrar.
Depois caí numa espécie de sono.
Quando acordei, já se viam nos céus os primeiros raios da aurora; Marceline dormia ainda. Estávamos chegando. A manta de seda, que eu conservava na mão, era escura; não se distinguia nada a princípio; mas, quando tirei do bolso o lenço, vi com espanto que ele estava cheio de sangue.
Meu primeiro pensamento foi esconder esse sangue de Marceline. Mas de que maneira? Estava todo manchado; havia sangue em toda parte; nos meus dedos, principalmente. Uma hemorragia nasal… Eis aí; se ela me interrogar, direi que foi apenas isso. Marceline ainda dormia quando chegamos.
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