Quanto mais deixarmos a natureza trabalhar sozinha, melhor. Não usamos remédios caros. O homem é um ser simples. Quando tem de morrer, morre mesmo. E quanto tem de ficar bom, não há Cristo que o impeça. E seria mesmo muito penoso para o Doutor Christian dar-se ao trabalho de ouvir o que os doentes reclamam. Ele não fala uma palavra de russo... mas é muito competente. (O Doutor Christian emite um som que flutua entre o “i” e o “e”.).
GOVERNADOR — E ao Senhor, Juiz Ammoss Fiedorovitch, eu aconselharia a ter mais cuidado com o seu Tribunal. Na sala de espera, onde ficam os litigantes, os contínuos vivem criando gansos e gansinhos que sujam tudo e fazem com que as pessoas tropecem. Naturalmente, a avicultura é digna de todos os elogios. E por que um contínuo não poderia criar aves? Claro que pode. Mas nesse lugar é indecoroso fazê-lo. Eu sempre queria chamar a sua atenção sobre isso. Mas, não sei por que, sempre me esquecia.
AMMOSS — Hoje mesmo darei ordens para que apreendam os gansos e que sejam levados para a cozinha. Se quiser, venha almoçar comigo.
GOVERNADOR — Obrigado. O senhor há de convir que é lamentável que em plena sala de audiências se pendurem roupas para secar. E que sobre a mesa do juiz se veja um chicote de caça. Eu compreendo perfeitamente que o senhor goste de caçar, mas não é necessário que use esporas durante os julgamentos. É preciso tirar tudo dali. Quando o inspetor tiver ido embora, que volte tudo ao seu estado normal. Também devo dizer que o seu secretário... Claro que ele é um homem muito capaz, mas cheira tão mal como se tivesse acabado de sair de um alambique. Isso não chega a ser digno de elogios. Se for verdade, como ele diz que o mau cheiro é de nascença, ainda assim há um recurso: ele que coma alho, cebola, ou qualquer outra coisa. Neste caso o Doutor Christian poderia ajudá-lo com diversos medicamentos. (O Doutor Christian novamente emite o ruído.).
AMMOSS — Meu secretário diz que caiu do colo da mãe quando era muito pequeno e desde então adquiriu esse cheiro de vodca.
GOVERNADOR — Bem, eu disse por dizer. Quanto às medidas de ordem interna e àquilo que Andrei Ivanovitch chama em sua carta de “pecadilho”, eu nada posso dizer. E afinal de contas, existe por acaso algum homem no mundo que não tenha algum “pecadilho”? O próprio Deus Todo-Poderoso quis que assim fosse, e é em vão que vociferam contra isso os voltairianos.
AMMOSS — Pecadilhos, quem não os tem? Eu, por exemplo, eu digo abertamente a todo mundo que sou subornável, recebo propinas. Mas, que classe de propinas? Cães Perdigueiros! Ah, isso já é outra coisa!
GOVERNADOR — Cães Perdigueiros ou qualquer outra coisa, tudo é suborno.
AMMOSS — Não, meu caro Anton Antonovitch.
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