E também digo que se levantem, saiam e guardem essas suas línguas, pois se vocês acham que são dignos, digo que não passam de cães que posso enxotar a qualquer momento. Sumam!

O fogo queimava furiosamente na ponta do galho e Mowgli fustigava o círculo por todos os lados. Os lobos debandaram, uivando, com fagulhas queimando seus pelos. Finalmente, ficaram apenas Akela, Bagheera e cerca de dez outros lobos que haviam defendido Mowgli. Foi quando algo começou a latejar dentro do garoto, uma dor que nunca havia sentido. Ele respirou fundo, soluçou e lágrimas desceram pelo seu rosto.

— O que está acontecendo? O que está acontecendo? — perguntou. — Eu não quero deixar a selva, eu não sei o que está acontecendo. Estou morrendo, Bagheera?

— Não, irmãozinho. São apenas lágrimas de homem — disse Bagheera. — Agora você é um homem e não mais um filhote de homem. A selva de fato é passado para você daqui por diante. Deixe-as rolar, Mowgli. São apenas lágrimas.

Então Mowgli sentou-se e chorou como se seu coração fosse rachar. Ele nunca havia chorado antes em toda sua vida.

— Agora — disse —, vou me encontrar com os homens. Mas primeiro preciso dar adeus à minha mãe.

Assim, ele seguiu até a caverna onde ela morava com Pai Lobo. Lá, chorou e a abraçou enquanto os quatro filhotes uivavam sem parar.

— Vocês não vão me esquecer? — perguntou Mowgli.

— Nunca, enquanto ainda pudermos seguir uma trilha — disseram os filhotes. — Venha para o sopé da encosta quando se tornar um homem e conversaremos com você. Nós iremos às plantações para brincar com você à noite.

— Volte logo! — disse Pai Lobo. — Pequena e sábia Rãzinha, volte logo. Eu e sua mãe já estamos velhos.

— Volte logo, meu filhinho pelado — disse Mãe Loba. — Ouça, filhote de homem: amo você mais do que amei meus próprios filhos.

— É claro que vou voltar — disse Mowgli. — E quando eu voltar, será para deitar a pele de Shere Khan sobre a Pedra do Conselho. Não se esqueçam de mim! Digam a todos na selva para nunca se esquecerem de mim!

A aurora estava começando a surgir quando Mowgli desceu a colina sozinho para se encontrar com aquelas coisas misteriosas chamadas homens.

Ilustração

CANÇÃO DE CAÇA
DA MATILHA DE SEONI

Quando o sol nasceu, o sambar mugiu

          Uma, duas, dez vezes!

 

E uma corça deu um salto, e uma corça deu um salto

Na lagoa da floresta onde o veado bebe entre o mato alto.

Isto, durante a patrulha, fui eu quem viu

          Uma, duas, dez vezes!

 

Quando o sol nasceu, o sambar berrou

          Uma, duas, dez vezes!

 

E um lobo regressa à família, e um lobo regressa à família  

Levando a notícia para a irrequieta matilha,

E nós procuramos, encontramos e latimos na sua trilha

          Uma, duas, dez vezes!

 

Quando o sol nasceu, a matilha uivou

          Uma, duas, dez vezes!

 

Nossas patas na selva não deixam rastros!

Nossos olhos no escuro enxergam os mais tênues traços –

os mais tênues traços!

 

Berre – bote para fora! Todos seus grunhidos,

todos seus estardalhaços!

                Uma, duas, dez vezes !

Ilustração

A CAÇADA DE KAA

As manchas são a alegria do leopardo; os chifres,

        o orgulho do búfalo destemido;

Não se suje, porque a força do caçador está no brilho

        de seu pelo polido.

 

Se achar que o touro vai te derrubar, ou que

        o sambar bravo representa revezes;

É preciso parar e nos avisar: já passamos por isso

        mais de dez vezes.

 

Não provoque o filhote dos outros,

        pois são como seus irmãos, de camurça.

Embora sejam pequenos e gorduchos,

        sua mãe pode ser uma ursa.

 

“Não há ninguém como eu!”, diz o filhote orgulhoso

        da primeira presa abatida;

Mas a selva é grande e o filhote é pequeno.

        Deixe que ele tenha uma tarde pensativa.

— Máximas de Baloo

Tudo o que é contado aqui aconteceu algum tempo antes de Mowgli ser expulso da alcateia de Seoni e de sua vingança contra o tigre Shere Khan. Foi durante os dias nos quais Baloo ensinava a ele a Lei da Selva. O grande, austero e velho urso marrom estava maravilhado com um aluno tão esperto, pois os jovens lobos só aprendem da Lei da Selva o que se aplica à sua própria matilha. Depois disso, assim que decoram o Poema da Caça, saem correndo: “Patas de veludo; enxergar no escuro; ouvidos que ouvem dentro das tocas e dentes afiados e brancos; Tudo isso são as marcas de nossos irmãos, exceto Tabaqui, o chacal, e a hiena, que todos nós odiamos”. Já Mowgli, o filhote de homem, precisava aprender muito mais do que isso. Às vezes, a pantera negra Bagheera se esgueirava pela selva para ver como seu favorito estava se saindo. Ronronava com a cabeça encostada na árvore enquanto Mowgli recitava a lição do dia dada por Baloo.

O menino escalava quase tão bem quanto nadava, e nadava quase tão bem quando corria. Então, Baloo, o professor da lei, ensinava a ele as leis da madeira e da água: como distinguir um galho podre de um galho seguro; como conversar educadamente com as abelhas selvagens quando ia até sua colmeia a quinze metros de altura; o que dizer a Mang, o morcego, quando ele os perturbava no alto das árvores ao meio-dia; e como avisar as cobras-d’água, nas lagoas, que iria mergulhar entre elas.