Agora vá, rápido.
Leonardo – Meus melhores esforços serão empregados para tanto.
Entra Graciano.
Graciano – Onde está o seu amo?
Leonardo – Ali adiante, senhor, caminhando.
Sai.
Graciano – Signor Bassânio!
Bassânio – Graciano?
Graciano – Tenho um pedido a lhe fazer.
Bassânio – Já tem a minha permissão.
Graciano – O senhor não pode me negar; preciso ir com o senhor para Belmonte.
Bassânio – Ora, mas então, se você precisa é porque precisa. Mas escuta a ti mesmo, Graciano. Tu estás descontrolado, descortês, e tua voz é atrevida… qualidades que te caem bem, e aos nossos olhos elas não parecem ser faltas graves; mas, onde não te conhecem, ora, em qualquer outro lugar elas se mostram muito livres e frouxas. Por favor, toma uma providência para mitigar com algumas gotas frias de recato esse teu espírito efervescente, para que, através do teu comportamento descontrolado eu não seja mal-interpretado no lugar aonde estou indo e venha a perder todas as minhas esperanças.
Graciano – Signor Bassânio, escute-me: se não uso um hábito mais sóbrio, se não falo com maior respeito, e se não uso poucos xingamentos, se não carrego livros de orações nos meus bolsos, se não pareço reservado, e tampouco cubro o olhar com um toque no chapéu enquanto se dão graças, se não suspiro e digo “amém”, se não observo todas as normas da civilidade como um letrado de triste ostentação para agradar a sua avó, então nunca mais confie em mim.
Bassânio – Bem, vamos observar o seu comportamento.
Graciano – Certo, mas esta noite está fora; o senhor não pode me julgar pelo que vai acontecer esta noite.
Bassânio – Não, seria uma pena. Vou lhe pedir, pelo contrário, que você vista a sua alegria mais atrevida, pois temos amigos que vêm justo para se divertir. Até logo, que agora preciso tratar de uns negócios.
Graciano – E eu preciso encontrar Lorenzo e os outros; mas vamos visitá-lo à hora da ceia.
Saem.
Ato 2, Cena III [Em Veneza]
Entram Jéssica e Lancelote, o Palhaço.
Jéssica – Que pena que tu vais deixar o meu pai. A nossa casa é um inferno, e tu, um diabinho alegre, estavas sempre roubando da casa o seu gosto de tédio. Mas, passar bem; aí tens um ducado para ti. E, Lancelote, logo mais, na hora da ceia, tu vais ver Lorenzo, que é convidado do teu novo amo. Entrega a ele esta carta, e faz isso em segredo. Então, adeus; não gostaria que o meu pai me enxergasse falando contigo.
Lancelote – Adieu; tenho lágrimas na língua, que exibem[30] a minha fala. Lindíssima pagã, dulcíssima judia, ou muito me engano ou um cristão ainda vai dar uma de cafajeste e roubá-la para si. Mas, adeus. Estas lágrimas bobas não são boas para o meu espírito viril. Adeus!
Sai.
Jéssica – Adeus, meu bom Lancelote. Ai de mim, que pecado horrível carrego dentro de mim, sentindo vergonha de ser a filha do meu pai! Mas, embora eu seja filha de seu sangue, não sou filha de sua conduta. Ah, Lorenzo, se tu cumpres a tua promessa, vou dar um fim a esta luta e passo a ser cristã e tua mulher que te adora.
Sai.
Ato 2, Cena IV [Em Veneza]
Entram Graciano, Lorenzo, Salarino e Solânio.
Lorenzo – Sim, vamos escapulir à hora da ceia, vestir as fantasias na minha casa e voltar uma hora depois.
Graciano – Não nos preparamos bem.
Salarino – Nós ainda não fizemos arranjos sobre quem vai carregar as tochas.
Solânio – Fica ruim, a menos que esteja tudo muito bem organizado. Sou de opinião que o melhor é não levar adiante essa empreitada.
Lorenzo – Não são nem quatro horas. Temos duas horas para nos preparar.
Entra Lancelote com uma carta.
Meu amigo Lancelote! Quais são as novas?
Lancelote – Se o senhor fizer o favor de quebrar o selo, isto aqui aparentemente terá significado.
Lorenzo – Eu conheço esta letra; é uma bela caligrafia e, por minha fé, só não é mais bela que a mão que a escreveu, e esta, mais branca que o papel onde escreveu.
Graciano – Carta de amor, com certeza!
Lancelote – Com sua licença, sir.
Lorenzo – Aonde tu vais?
Lancelote – Ora, senhor, vou pedir ao meu antigo amo, o judeu, que venha cear esta noite com o meu novo amo, o cristão.
Lorenzo – Espera aí, toma isto.[31] Diz à gentil Jéssica que não vou deixar de cumprir com o prometido. Fala isso em particular.
Sai Lancelote.
Vamos, cavalheiros. Querem se preparar para a mascarada de hoje à noite? Eu já tenho quem carregue uma das tochas.
Salarino – Sim, está ótimo, eu vou direto tratar disso.
Solânio – Eu também.
Lorenzo – Vocês podem me encontrar, Graciano e eu, na casa de Graciano, daqui a uma hora.
Salarino – Está bem, faremos isso.
Saem Salarino e Solânio.
Graciano – Aquela carta não era da linda Jéssica?
Lorenzo – Acho que preciso te contar tudo. Ela me instruiu sobre como devo tirá-la da casa de seu pai, e quanto ouro e quantas joias ela traz consigo, e que tem um traje de pajem prontinho para fugir. Se algum dia o judeu seu pai for para o céu, terá sido por intervenção de sua gentil filha. E que não ouse o azar interpor-se em seu caminho, pois ela só tropeça diante do argumento de que é a filha de um judeu ímpio. Vamos, vem comigo. Examina isto enquanto caminhas. A linda Jéssica será o meu porta-tochas.
Saem.
Ato 2, Cena V [Em Veneza]
Entram Shylock, o judeu, e Lancelote, o Palhaço, seu ex-criado.
Shylock – Bem, tu vais ver, os teus olhos vão julgar, a diferença entre o velho Shylock e Bassânio. … Ora, Jéssica! … Tu não vais te empanturrar às custas dele como fizeste comigo. … Ora, Jéssica! … E dormir, e roncar, e rasgar tuas roupas no uso. … Ora, Jéssica, estou dizendo!
Lancelote – Ora, Jéssica!
Shylock – Quem te mandou chamar? Não estou te mandando chamar.
Lancelote – Sua senhoria estava sempre me dizendo que eu não conseguia fazer nada sem receber ordens primeiro.
Entra Jéssica.
Jéssica – O senhor me chamou? O que deseja?
Shylock – Fui convidado para uma ceia, Jéssica.
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