Sou o único especialista do mundo.
— A-há! É historiador? — perguntou Berlioz, com grande alívio e respeito.
— Sou historiador — confirmou o cientista e acrescentou sem mais nem menos: — Hoje à noite, em Patriarchi Prudý, acontecerá uma história interessante!
Novamente o editor e o poeta se surpreenderam muito. O professor chamou ambos para perto de si e, quando eles se inclinaram, cochichou:
— Saibam que Jesus existiu.
— Veja bem, doutor — replicou Berlioz com um sorriso forçado —, respeitamos seus grandes conhecimentos, mas, sobre esse assunto, temos pontos de vista diferentes.
— Não precisa de ponto de vista coisa nenhuma — respondeu o estranho professor —, ele simplesmente existiu e pronto.
— Mas é preciso ter alguma prova... — começou Berlioz.
— Não precisa de prova nenhuma — respondeu o doutor, que se pôs a falar baixo e, sabe-se lá por quê, seu sotaque desapareceu: — É tudo simples: de manto branco com a barra cor de sangue, com movimentos gingados de um cavaleiro, na manhã do décimo quarto dia do mês primaveril de Nissan...
2
Pôncio Pilatos
De manto branco com a barra cor de sangue, com movimentos gingados de um cavaleiro, na manhã do décimo quarto dia do mês primaveril de Nissan, o procurador da Judeia, Pôncio Pilatos, saiu para a colunata coberta entre as duas alas do palácio de Herodes, o Grande.
Mais do que qualquer coisa no mundo, o procurador odiava o cheiro do óleo de rosas, e agora tudo pressagiava um dia ruim, pois esse cheiro começou a seguir o procurador desde o amanhecer. Parecia-lhe que o odor emanava dos ciprestes e das palmeiras do jardim e que, ao cheiro dos equipamentos de couro e do suor do corpo das tropas, misturava-se a maldita corrente de perfume de rosa. Desde as alas do fundo do palácio, onde se acomodou a primeira coorte da Décima Segunda Legião Fulminata, que chegara a Yerushalaim junto com o procurador, a colunata ao longo da área superior do jardim cobriu-se de fumaça, e a essa amargurada fumaça — sinal de que os cozinheiros nas centúrias haviam começado a preparar o almoço — misturava-se aquele mesmo odor gorduroso de rosas.
“Oh, deuses, deuses, por que estão me castigando? É, não há dúvidas, é ela, de novo ela, essa doença invencível e terrível... a enxaqueca, que faz metade da cabeça doer... contra ela não há remédio, não há nenhuma salvação... vou tentar não mexer a cabeça...”
No chão de mosaico próximo à fonte, uma poltrona já estava preparada, e o procurador, sem olhar para ninguém, sentou-se e estendeu a mão para o lado. Respeitosamente, o secretário depositou nessa mão um pedaço de pergaminho. Sem conseguir conter a careta de dor, o procurador correu os olhos pelo escrito, devolveu o pergaminho ao secretário e articulou com dificuldade:
— O processado é da Galileia? O caso foi enviado ao tetrarca?
— Sim, procurador — respondeu o secretário.
— E ele?
— Recusou-se a concluir o caso e enviou a sentença de morte do Sinédrio para que o senhor confirme — explicou o secretário.
O procurador contorceu o rosto e disse baixinho:
— Tragam o acusado.
No mesmo instante, dois legionários o trouxeram da área do jardim sob as colunas para a varanda, e colocaram diante da poltrona do procurador um homem de uns vinte e sete anos. Esse homem trajava um quitão azul velho e rasgado. A cabeça estava coberta por uma faixa branca com uma tira ao redor da testa e as mãos estavam atadas nas costas. O homem tinha um grande hematoma no olho esquerdo e no canto da boca havia uma escoriação com sangue pisado. O recém-chegado olhava para o procurador com muita curiosidade.
Este estava calado, depois perguntou baixinho em aramaico:
— Foi você que incitou o povo a destruir o templo de Yerushalaim?
O procurador estava como uma pedra, só seus lábios se moviam um tantinho quando pronunciava as palavras. Ele estava como uma pedra porque temia balançar a cabeça, que ardia com a dor infernal.
O homem com as mãos atadas inclinou-se um pouco para frente e começou a falar:
— Bom homem! Acredite em mim...
Mas o procurador, como antes, sem se mover e sem elevar minimamente o tom de voz, interrompeu-o no mesmo instante:
— É a mim que você chama de bom homem? Está cometendo um engano. Em Yerushalaim, todos cochicham sobre mim, que sou um monstro cruel, e é a mais pura verdade. — E acrescentou no mesmo tom monótono: — Tragam-me o centurião Mata-ratos.
A todos pareceu que ficou escuro na varanda, quando o centurião da primeira centúria, Marcos, chamado de Mata-ratos, apresentou-se ao procurador. Mata-ratos era uma cabeça mais alto do que o maior soldado da Legião e tinha ombros tão largos que tapou completamente o sol ainda baixo.
O procurador dirigiu-se ao centurião em latim:
— O criminoso me chama de “bom homem”. Leve-o daqui um instante e explique-lhe como deve referir-se a mim. Mas sem mutilação.
Então todos, menos o procurador, imóvel, seguiram Marcos Mata-ratos com o olhar, enquanto este acenava para o preso com a mão, indicando que deveria segui-lo.
Em geral, todo mundo seguia Mata-ratos com o olhar, onde quer que ele surgisse, por causa do seu tamanho e, para aqueles que o viam pela primeira vez, também porque o rosto do centurião tinha sido deformado: em algum lugar do passado seu nariz fora esmagado com um golpe de porrete alemão.
As botas pesadas de Marcos bateram no mosaico e o homem amarrado o seguiu sem fazer ruído. Imperou um silêncio absoluto na colunata e podia-se ouvir como os pombos arrulhavam na área do jardim perto da varanda e, também, como a água cantarolava na fonte uma intrincada e agradável canção.
O procurador teve vontade de levantar-se, pôr a têmpora embaixo do jato e deixar-se ficar assim. Mas ele sabia que nem isso o ajudaria.
Assim que Mata-ratos levou o preso da colunata para o jardim, ele arrancou o chicote das mãos de um legionário parado ao pé de uma estátua de bronze e, com um leve impulso, açoitou o preso nos ombros. O movimento do centurião foi displicente e fraco, mas o homem amarrado caiu instantaneamente no chão, como se lhe tivessem arrancado as pernas, engasgou com o ar, a cor desapareceu de seu rosto e o olhar tornou-se inexpressivo.
Só com a mão esquerda, Marcos suspendeu no ar o homem caído, leve como um saco vazio, colocou-o de pé e começou a falar, fanho, pronunciando de forma errada as palavras em aramaico:
— O procurador romano deve ser chamado de Hegemon. Não use outras palavras. Sentido! Está me entendendo ou terei de bater novamente?
O preso cambaleou, mas recuperou o equilíbrio. A cor voltou ao seu rosto e ele respirou fundo, respondendo com a voz rouca:
— Eu entendi. Não me bata.
Um instante depois, estava de novo diante do procurador.
A voz insípida e doente soou:
— Nome?
— O meu? — retrucou o preso depressa, expressando com todo o seu ser que estava pronto para responder com sensatez e não provocar mais ira.
O procurador disse baixinho:
— O meu eu sei. Não finja ser mais bobo do que você é. O seu.
— Yeshua — respondeu rapidamente o prisioneiro.
— Tem sobrenome?
— Ha-Notzri.
— Natural de onde?
— Da cidade de Gamala — respondeu o prisioneiro, indicando com a cabeça que lá, em algum lugar distante, à sua direita, ao norte, estava a cidade de Gamala.
— Qual é sua origem?
— Não sei ao certo — respondeu o preso, animado. — Não me lembro dos meus pais. Disseram-me que meu pai era sírio...
— Qual é seu endereço permanente?
— Não tenho morada permanente — respondeu timidamente o prisioneiro.
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