Tão cedo não hei de esquecer o efeito que minha ação produziu.

Heathcliff estava parado junto à entrada, de camisa e calça, uma vela escorrendo em seus dedos e o rosto tão branco quanto a parede atrás dele. O primeiro estalido do carvalho sobressaltou-o como se fosse um choque elétrico.25 A vela saltou de sua mão e foi parar a alguns metros de distância; sua agitação era tal que ele mal conseguiu apanhá-la de volta.

– Sou eu, o seu hóspede, senhor – exclamei, querendo poupar-lhe a humilhação de expor ainda mais sua covardia. – Tive a infelicidade de gritar enquanto dormia, devido a um terrível pesadelo. Peço desculpas se o incomodei.

– Ah, diabos o carreguem, sr. Lockwood! Que o senhor vá para o... – começou a dizer meu senhorio, colocando a vela sobre uma cadeira, porque não conseguia segurá-la com firmeza. – E quem foi que o trouxe até este quarto? – continuou ele, enterrando as unhas na palma das mãos e rangendo os dentes para controlar o tremor do queixo. – Quem foi? Penso seriamente em expulsar de casa agora mesmo quem fez isso!

– Foi sua criada Zillah – respondi, pulando da cama e vestindo-me depressa. – E eu não haveria de me incomodar se fizesse isso, sr. Heathcliff; ela bem o merece. Suponho que queria ter, à minha custa, mais uma prova de que este lugar é mal-assombrado. Pois bem, é mesmo! Está infestado de fantasmas e goblins!26 O senhor tem todos os motivos para deixá-lo trancado, eu lhe garanto. Ninguém há de lhe agradecer pela oportunidade de dormir neste antro!

– O que quer dizer com isso? – perguntou Heathcliff. – E o que está fazendo? Deite-se e durma o restante da noite, uma vez que já está aqui. Mas, pelos céus!, não repita aquele grito horrível: não haveria razão para ele, a menos que alguém o estivesse degolando!

– Se aquele demônio tivesse entrado pela janela, provavelmente teria me estrangulado! – retorqui. – Não vou mais tolerar as perseguições de seus hospitaleiros ancestrais. Não era o reverendo Jabez Branderham parente seu, pelo lado materno? E esse diabo de Catherine Linton, ou Earnshaw, ou fosse qual fosse o nome dela... deve ter sido trocada no berço.27 Que alminha perversa! Disse-me que andava penando pela terra fazia vinte anos: punição justa por suas transgressões morais, não tenho dúvidas!

Mal pronunciei essas palavras, lembrei-me da associação dos nomes de Heathcliff e Catherine no livro, detalhe que me escapara por completo da memória até ser assim despertado. Corei diante de minha falta de consideração; sem demonstrar, porém, maior consciência da ofensa, apressei-me em acrescentar:

– A verdade, senhor, é que passei a primeira parte da noite... – detive-me outra vez. Estava prestes a dizer “folheando aqueles livros antigos”, o que teria revelado meu conhecimento de seu conteúdo manuscrito, bem como do impresso. Corrigindo-me, então, prossegui – ...a repetir o nome escavado no peitoril da janela. Uma ocupação monótona, calculada para me fazer dormir, como contar carneirinhos ou...

– Quais são as suas intenções ao falar comigo dessa maneira? – rugiu Heathcliff, com arrebatada veemência. – Como ousa, na minha própria casa? Meu Deus! Só pode ser louco, para falar assim! – E bateu na própria testa, furioso.

Eu não sabia se me ofendia com as palavras ou se prosseguia com minha explicação, mas ele parecia tão terrivelmente perturbado que me apiedei e continuei lhe contando meus sonhos, afirmando que jamais ouvira o nome Catherine Linton até então, mas o fato de tê-lo lido tantas vezes produzira uma impressão que se personificara quando minha imaginação já não estava mais sob controle.

À medida que eu falava, Heathcliff foi se deixando cair na cama até se sentar e ficar quase escondido atrás dela. Adivinhei, contudo, por sua respiração irregular e entrecortada, que lutava para vencer um acesso de violenta emoção.

Não querendo revelar-lhe que notara o conflito, continuei com minha toalete, fazendo razoável barulho, consultei meu relógio e comentei o quanto a noite custava a passar:

– Ainda não são três horas! Poderia jurar que eram seis. O tempo parece estagnar, aqui: devemos ter ido dormir às oito!

– Sempre às nove, no inverno, e nos levantamos às quatro – comentou meu anfitrião, suprimindo um gemido e, a julgar pelo movimento da sombra de seu braço, enxugando uma lágrima dos olhos. – Sr. Lockwood – acrescentou –, pode ir para o meu quarto; só faria atrapalhar, descendo assim tão cedo. E seu grito infantil mandou meu sono para o inferno.

– O meu também – repliquei. – Vou caminhar no pátio até o dia raiar, e então vou embora.