Logo depois, a gorda Sílvia foi dizer à patroa que uma moça bela demais para ser honesta, vestida como uma divindade, com borzeguins de cetineta sem a menor mancha de lama, se enfiara pela cozinha como uma enguia perguntando-lhe onde ficava o apartamento do sr. Goriot. A sra. Vauquer e a cozinheira ficaram à escuta e surpreenderam várias palavras pronunciadas ternamente durante a visita, que durou algum tempo. Quando o sr. Goriot acompanhou sua dama até a porta, a gorda Sílvia tomou às pressas um cesto e fingiu que ia ao mercado, a fim de seguir o par amoroso.

— Minha senhora — disse à patroa, ao voltar —, o sr. Goriot deve ser tremendamente rico para mantê-las nesse estado. Imagine que na esquina da Estrapade ela subiu numa carruagem formidável que estava a sua espera!

Ao jantar, como um raio de sol entrasse pela janela e fosse cair nos olhos do sr. Goriot, a sra. Vauquer levantou-se e foi correr a cortina para que a luz não o incomodasse.

— O senhor é amado pelas mulheres belas, sr. Goriot, e o sol o procura — disse ela, aludindo à visita recebida pela manhã. — Caramba! O senhor tem bom gosto. Ela é muito bonita.

— É minha filha — replicou ele, com uma espécie de orgulho que pareceu aos pensionistas a fatuidade de um velho que guarda as aparências.

Um mês após essa visita, o sr. Goriot recebeu outra. Sua filha, que na primeira vez fora em traje de manhã, chegou após o jantar, vestida para visitas. Os pensionistas, que palestravam na sala de estar, viram uma linda loura, delgada de talhe, graciosa e demasiado distinta para ser filha de um pai Goriot.

— Duas — disse a gorda Sílvia, que não a reconheceu.

Dias depois, outra moça, alta e bem-feita de corpo, com cabelos pretos e olhar ardente, perguntou pelo sr. Goriot.

— Três! — disse Sílvia.

Essa segunda moça, que na primeira vez também foi visitar o pai pela manhã, voltou alguns dias depois, à noite, em vestido de baile e em carruagem.

— Quatro! — disseram a sra. Vauquer e a gorda Sílvia, que não reconheceram na ilustre senhora vestígio algum da moça singelamente vestida que lá estivera pela manhã, em sua primeira visita.

Goriot ainda pagava mil e duzentos francos de pensão. A sra. Vauquer achou muito natural que um homem rico tivesse quatro ou cinco amantes e louvou sua astúcia de fazê-las passar por filhas. Nem se escandalizou com o fato de ele as levar à Casa Vauquer. Como, porém, essas visitas lhes explicavam a indiferença com que o pensionista a tratava, ela se permitiu, no começo do segundo ano, chamá-lo de gato velho. Um dia, porém, quando o pensionista baixara para novecentos francos, ela lhe perguntou insolentemente que pensava ele fazer de sua casa, ao ver descer uma daquelas senhoras. O pai Goriot respondeu-lhe que aquela dama era sua filha mais velha.

— Então o senhor tem trinta e seis filhas? — perguntou azedamente a sra. Vauquer.

— Tenho apenas duas — replicou o pensionista, com a doçura de um homem arruinado que atinge a todas as docilidades da miséria.

No fim do terceiro ano, o pai Goriot reduziu ainda uma vez as despesas, subindo para o terceiro andar e passando a pagar apenas quarenta e cinco francos de pensão por mês. Abandonou o rapé, despediu o cabeleireiro e não empoou mais os cabelos. Quando o pai Goriot apareceu pela primeira vez com os cabelos sem empoar, a dona da pensão deixou escapar uma exclamação de surpresa ao perceber a cor de seus cabelos, que eram de um cinzento sujo e esverdeado. Sua fisionomia, que secretos desgostos haviam insensivelmente tornado cada vez mais triste, parecia a mais desolada de todas as que ornamentavam a mesa; cessou, então, toda a dúvida: o pai Goriot era um velho libertino, cujos olhos somente haviam sido preservados da maligna influência dos remédios exigidos por sua enfermidade graças à habilidade de um médico. A cor repugnante de seus cabelos provinha de seus excessos e das drogas que tomava para sustentá-los. O estado físico e moral do velho dava razão a esses disparates.