Wilde também tentou moderar as relações entre certos personagens, principalmente o relacionamento entre o pintor Basil Hallward e o personagem de Dorian Gray. Mais tarde, durante as sessões do julgamento de 1895 que o levariam à prisão, Wilde testemunhou que grande parte das mudanças foi empreendida após o autor ter recebido uma série de correspondências encaminhadas por seu antigo professor de Estética da Universidade de Oxford e seu amigo pessoal, Walter Pater.
Algumas dessas alterações ocorreram principalmente por iniciativa de Wilde e outras por influência de seus editores, tanto o inglês quanto o norte-americano. Na versão de 1890, Wilde apresenta uma série de referências a um livro fictício chamado “Le Secret de Raoul”, do também autor fictício Catulle Sarrazin. Gray se refere constantemente a esse livro na versão de 1890, demonstrando sua tendência à crueldade. Tanto o livro quanto o seu autor continuaram a serem referidos na versão de 1891, sem contudo serem nominados na trama.
As alterações desenvolvidas por Wilde em sua segunda versão também pretenderam “remover o brilho de Gray como personagem”, apresentando maiores detalhes sobre seu passado e suas origens e tornando mais crível a transformação psicológica do personagem ao longo da história. No capítulo 3 da nova versão, Wilde apresenta a origem de Gray, relatando que ele era fruto da fuga e casamento da filha de um arrogante nobre inglês que manipulara a sociedade com o intuito de acabar com esse relacionamento. O avô de Gray teria contratado uma pessoa para desafiar o genro em um duelo, o que resultou na morte do mesmo; do desgosto da perda do marido, a mãe de Gray viria falecer logo depois ficando o menino sob a responsabilidade do avô.
No novo capítulo 5, Wilde apresenta a família de Sibyl Vane, demonstrando o quanto Gray estava envolvida com a infantil e pouco talentosa atriz londrina, e as preocupações de sua mãe com esse relacionamento tão repentino e inconsequente; é apresentado também um novo personagem que não existia na versão de 1890, James Vane, irmão de Sibyl: Wilde o introduz na história para balancear a trama, enfatizando as diferenças entre as personalidades de Gray e James Vane, dando uma visão tipicamente vitoriana à história em uma tentativa de diminuir a controvérsia em torno do livro.
Além dessas mudanças, Wilde apresenta um “Prefácio” à obra, um manifesto à Estética, composto por vinte e quatro aforismos, sendo sua resposta pessoal aos críticos ingleses que consideraram a versão de 1890 um conto escandaloso e repleto de imoralidades. Wilde e outros devotos à filosofia acreditavam que a Arte possui um valor intrínseco, não tendo outro propósito senão o de cultuar apenas a Beleza. Suas argumentações entraram em choque com a posição corrente da sociedade vitoriana, onde a Arte não é apenas um meio de se propagar a moralidade, mas também um meio de reforçá-la. É notório o posicionamento de Wilde, apresentado através de um de seus personagens, ao declarar que “os livros que o mundo chama de imorais são aqueles que apresentam ao mundo as vergonhas de sua própria existência”. Dado o caráter inovador e provocador de seu “Prefácio” para a edição de 1891, apresentaremos este pequeno texto também nesta edição.
Os fatos e as opiniões que Wilde apresenta em defesa de seu romance são exemplos de seus golpes severos contra a hipocrisia artística inglesa, que julgava pretensiosa e convencionalmente tediosa. Principalmente através de lorde Henry, Wilde apresenta seu posicionamento crítico à sociedade vitoriana, amplamente desenvolvidos também em suas inúmeras peças teatrais:
“Um artista, meu caro senhor, não possui afinidade ética com tudo. A virtude e a fraqueza são para ele simplesmente o que as cores de uma paleta são para um pintor”.
“O público inglês não possui qualquer interesse em uma obra de arte até que lhe seja informado que esta mesma obra é imoral”.
“Não desejo ser um escritor popular. Isso seria bom demais para as massas”.
“O crítico deve educar o público; mas o artista deve educar o crítico”.
O lançamento de “O Retrato de Dorian Gray” fez com que seu autor se tornasse ainda mais admirado e famoso. No entanto, em seu apogeu literário, começaram a surgir os problemas pessoais, aliados aos seus posicionamentos audaciosos para a época, o que desafiavam a moralidade da aristocracia inglesa. Seu envolvimento com lorde Alfred Douglas o levaria à ruína: o pai de lorde Douglas, o marquês de Queensberry, sabendo do envolvimento de seu filho com o escritor, enviou uma carta ao escritor endereçada a “Oscar Wilde, o conhecido Sodomita”. O escritor decidiu processar o marquês por difamação; em seguida, tentou mudar de ideia e desistir do processo, visto que muitos rumores pairavam sobre sua própria conduta, mas já era tarde demais: as provas apresentadas sobre seu comportamento começaram a surgir e um novo processo foi instaurado contra ele. Nesse processo, o tribunal também se valeu das ideias apresentadas em “O Retrato de Dorian Gray” como forma de justificar o caráter corruptor dos ideais de Oscar Wilde, principalmente entre a juventude aristocrática inglesa.
“O Retrato de Dorian Gray” é uma obra que pode ser considerada imprescindível, não apenas pelo ser caráter genial, digno dos mais constantes louvores, mas sobretudo por possuir uma história que acabou por se tornar um dos cânones da literatura ocidental, sendo impossível não se degustar o tempo ganho ao se ler este adorável romance.
Prefácio
Prefácio à segunda edição revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward, Lock and Bowden Company
O artista é o criador de coisas belas. Revelar a arte e ocultar o artista é o objetivo da arte. O crítico é aquele que pode traduzir de outro modo, ou em um novo material, as suas impressões sobre as coisas belas.
As formas mais elevadas ou baixas da crítica é um modo de autobiografia. Aqueles que encontram significados feios nas coisas belas são corruptos e sem serem encantadores. Isto é um defeito.
Aqueles que encontram significados belos nas coisas belas são aqueles que as cultivam. Para esses há esperança. Eles são os eleitos para quem as coisas belas significam apenas beleza.
Não existem fatos morais ou imorais em um livro. Os livros são apenas bem ou mal escritos. Isto é tudo.
O ódio do século 19 pelo Realismo é a raiva de Calibã[1] ao ver o seu próprio rosto diante de um espelho.
O ódio do século 19 pelo Romantismo é a raiva de Calibã ao não poder ver o seu próprio rosto em um espelho. A vida moral dos homens constitui partes do tema usado por um artista, mas a moralidade da arte consiste do uso perfeito de um meio imperfeito. Nenhum artista deseja provar nada. Mesmo as coisas que são verdadeiras podem ser provadas. Nenhum artista possui compreensão da ética.
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