O que é isso, além de tela e cores? Não deixarei que ele atravesse nossas três vidas e as embote”.
Dorian Gray ergueu sua cabeça dourada do travesseiro e olhou para ele com o rosto pálido e os olhos mareados de lágrimas, enquanto ele caminhava para a própria mesa de pintura que estava sob a grande janela acortinada. O que ele iria fazer lá? Seus dedos vadiavam por entre os restos de tubos de lata e pincéis secos, procurando por algo. Sim, era a grande faca de paleta, com sua fina lâmina de aço flexível. Ele a encontrara, por fim. Ele ia rasgar a tela.
Com um soluço reprimido, ele pulou do sofá e, correndo até Hallward, tirou a faca de sua mão e a arremessou para a outra parte do ateliê. “Não, Basil, não!”, ele exclamou. “Seria assassinato!”
“Estou feliz que finalmente você tenha apreciado meu trabalho, Dorian”, disso Hallward, friamente, quando se recuperou de sua surpresa. “Nunca pensei que você gostaria”.
“Apreciado? Estou apaixonado por ele, Basil. Sinto que é parte de mim mesmo”.
“Bem, assim que ‘você’ secar, deverá ser envernizado, emoldurado e enviado para casa. Então, você poderá fazer o que quiser consigo mesmo”. E caminhando pela sala, tocou a sineta para pedir chá. “Você quer chá, não é Dorian? E você também, Harry? Chá é o único prazer simples que nos restou”.
“Não gosto de prazeres simples”, disse lorde Henry. “E não gosto de cenas, exceto no palco. Que pessoas absurdas vocês dois são! Eu me pergunto quem definiu o homem como animal racional. Foi a definição mais prematura já dada. O homem é muitas coisas, mas não é racional. Fico feliz por não ser, no fim das contas: embora eu gostaria que vocês rapazes não se alvoroçassem pelo retrato. Você faria muito melhor em me dá-lo, Basil. Esse garoto tolo realmente não o quer, mas eu sim”.
“Se você der o retrato para qualquer outra pessoa além de mim, Basil, eu nunca o perdoarei!”, exclamou Dorian Gray. “E eu não permito que as pessoas me chamem de garoto tolo.”
“Você sabe que o retrato é seu, Dorian. Eu lhe dei antes de fazê-lo”.
“E você sabe que tem sido um pouco tolo, senhor Gray e que realmente não se importa que o chamem de garoto”.
“Eu deveria ter me importado muito nesta manhã, lorde Henry”.
“Ah! Nesta manhã! Você viveu depois disso”.
Então bateram à porta e o mordomo entrou com a bandeja de chá e a colocou sobre uma pequena mesa japonesa. Havia um chacoalhar de xícaras e de pires e o sibilar de um cântaro estriado georgiano. Duas porcelanas em forma de globo chinesas foram trazidas por um criado. Dorian Gray se aproximou e serviu o chá. Os dois homens se dirigiram indolentemente até a mesa e examinaram o que estava sob as tampas.
“Vamos ao teatro esta noite”, convidou lorde Henry. “Certamente há algo em algum lugar. Prometi jantar na casa de White, mas é só um velho amigo, então posso enviar-lhe um telegrama e dizer que estou doente ou que estou impedido de ir por causa de um compromisso subsequente. Acho que esta seria uma desculpa muito boa: teria a surpresa da sinceridade”.
“É um tédio enorme ter de colocar roupas formais”, murmurou Hallward. “E, quando alguém as veste, fica tão horrível”.
“Sim”, respondeu lorde Henry, etereamente, “a moda de nossos dias é detestável. É tão sombria, tão deprimente.
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