Shakespeare.

CAPÍTULO II

EU MORAVA longe das frenéticas ocupações dos homens e o rumor de guerras ou de mudanças políticas chegava como um mero sussurrar às montanhas onde residíamos. A Inglaterra havia sido o palco de convulsões históricas durante minha infância. No ano 2073, o último dos seus reis, o antigo amigo de meu pai, havia abdicado de acordo com as gentis forças das objeções aos seus atos e uma república foi instituída. Grandes propriedades foram designadas para o monarca deposto e sua família; ele recebeu o título de Conde de Windsor e o Castelo de Windsor, da antiga realeza, com seus amplos arredores, fazia parte da riqueza que lhe fora alocada. Ele faleceu logo depois, deixando um filho e uma filha.

A ex-rainha, uma princesa da casa da Áustria, havia há muito instado seu marido a resistir às necessidades dos tempos. Ela era arrogante e destemida; cultivava um amor pelo poder e um amargo desprezo por aquele que a havia despojado de seu reino. Somente em prol dos seus filhos, consentira em permanecer, perdendo seu título de nobreza, membro da república inglesa. Quando enviuvou, ela se dedicou exclusivamente à educação de seu filho Adrian, segundo Conde de Windsor, para que realizasse suas metas ambiciosas; do leite materno ele se embebeu, com a intenção de crescer no rígido propósito de recuperar a coroa perdida. Adrian tinha então quinze anos. Estudava com afinco e ocupou seus anos com aprendizado e talento: documentos dão conta de que ele já começara a desvirtuar as visões de sua mãe e a cultivar princípios republicanos. Embora isso seja possível, a altiva Condessa não confiava a ninguém os segredos de seu ensino familiar. Adrian cresceu solitário e mantido à parte da companhia natural de sua idade e posição. Alguma circunstância desconhecida então induziu sua mãe a distanciar-se de sua tutela imediata; e soubemos que ele estava prestes a visitar a Cúmbria. Milhares de histórias afloraram, explicando a conduta da Condessa de Windsor; provavelmente nenhuma delas verdadeira; mas a cada dia tornava-se mais claro que deveríamos ter um ramo da última casa real da Inglaterra entre nós.

Havia uma imensa propriedade em Ulswater, com uma mansão, pertencente à sua família. Um grande parque era um de seus apêndices, planejado com muito estilo e fartamente provido de caça. Eu havia feito frequentes depredações dentro daquelas cercas; e o estado deplorável da propriedade facilitava minhas incursões. Quando se decidiu que o jovem Conde de Windsor deveria visitar a Cúmbria, chegaram trabalhadores para colocar o local em ordem para a sua recepção. O antigo esplendor foi reposto às construções e o parque, completamente recuperado, foi protegido com cuidado incomum.

Eu estava perturbado em grande medida por toda essa preparação. Minhas lembranças sonolentas e meus sentimentos suspensos de dor estavam aguçados pela curiosidade e deram lugar a uma nova necessidade de vingança. Já não podia mais cumprir minhas ocupações; todos os meus planos e maquinações foram esquecidos; eu buscava uma forma de viver inédita e sob maus auspícios. O impulso pela guerra estava prestes a começar. Ele viria triunfantemente ao distrito para o qual meu pai fugira decepcionado; ele encontraria a sua maldita descendência, concedida com tanta confiança vã ao seu pai real, miseravelmente pobre. Que ele devesse saber de nossa existência e que, tão perto, nos tratasse da mesma maneira com que seu pai o fizera à distância e em ausência, pareceu-me consequência certa de tudo o que acontecera antes. Portanto, eu deveria encontrar esse moleque importante – o filho do amigo de meu pai. Ele deveria estar protegido por serviçais; nobres e os filhos dos nobres eram seus companheiros; toda a Inglaterra sabia o seu nome; e sua chegada, como uma trovoada, foi ouvida de longe: enquanto eu, iletrado e sem estilo, se me encontrasse com ele deveria, no julgamento dos seus seguidores da corte, evidenciar em minha própria pessoa o nível de ingratidão que fez de mim o ser degradado que aparentava.

Com minha mente inteiramente ocupada por essas ideias, eu cercava a residência destinada ao jovem Conde com fascinação, poderia se dizer. Observava o progresso das reformas e analisava as carretas sendo descarregadas, enquanto vários artigos de luxo, trazidos de Londres, eram acomodados na mansão. Era parte do plano da ex-rainha cercar seu filho com uma magnificência de príncipe. Chamava a minha atenção os ricos carpetes e os sedosos penduricalhos, ornamentos dourados, metais ricamente decorados, móveis emblemados e os demais apêndices dispostos da alta classe, de forma que nada que não tivesse um esplendor imperial devesse atingir a visão de um descendente real. Eu os olhava; e depois fitava minha vestimenta puída. – De onde nascera esta diferença? De onde, senão da ingratidão, da falsidade, de um delito da parte do pai do príncipe, da nobre simpatia e do sentimento de generosidade.