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Velho — Tomai.

Alcoviteira — A benção de vosso pai. (Bom namorado é o tal!) pois gastais,

descansai. Namorados de al! Ai! Não valem real!

Ui! Tal fora, se me fora! Sabeis vós que me esquecia? Uma amiga me

vendia um broche de uma senhora. Com um rubi para o colo, de marfi, lavrado de

mil lavores, por cem cruzados. Ei-los aí! Isto, má hora, isto si são amores!

Vai-se o Velho torna a prosseguir a sua música e, acabada, torna a

Alcoviteira e diz:

Dei, má hora, uma topada. Trago as sapatas rompidas destas vindas, destas

idas, e enfim não ganho nada.

Velho — Eis aqui dez cruzados para ti.

Alcoviteira — Começo com boa estréia!

Vem um Alcaide com quatro Beleguins, e diz:

Dona, levantai-vos daí!

Alcoviteira — Que quereis vós assim?

Alcaide — À cadeia!

Velho — Senhores, homens de bem, escutem vossas senhorias.

Alcaide — Deixai essas cortesias!

Alcoviteira — Não hei medo de ninguém, viste ora!

Alcaide — Levantai-vos daí, senhora, daí ao demo esse rezar! Quem vos dez tão

rezadora?

Alcoviteira — Deixar-me ora, na má hora, aqui acabar.

Alcaide — Vinde da parte de el-Rei!

Alcoviteira — Muita vida seja a sua. Não me leveis pela rua; deixar-me vós, que eu

me irei.

Beleguins — Sus! Andar!

Alcoviteira — Onde me quereis levar, ou quem me manda prender? Nunca havedes

de acabar de me prender e soltar? Não há poder!

Alcaide — Nada se pode fazer.

Alcoviteira — Está já a carocha aviada?!... Três vezes fui já açoitada, e, enfim, hei

de viver.

Levam-na presa e fica o Velho dizendo:

Oh! Que má hora! Ah! Santa Maria! Senhora! Já não posso livrar bem. Cada

passo se empiora! Oh! Triste quem se namora de alguém!

Vem uma MOCINHA à horta e diz:

Vedes aqui o dinheiro? Manda-me cá minha tia, que, assim como no outro

dia, lhe mandeis a couve e o cheiro. Está pasmado?

Velho — Mas estou desatinado.

Mocinha — Estais doente, ou que haveis?

Velho — Ai! Não sei! Desconsolado, que nasci desventurado!

Mocinha — Não choreis! Mais mal fadada vai aquela!

Velho — Quem

Mocinha — Branca Gil.

Velho — Como?

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Mocinha — Com cem açoites no lombo, uma carocha por capela, e atenção! Leva

tão bom coração, como se fosse em folia. Que pancadas que lhe dão! E o triste do

pregão – porque dizia:

“Por mui grande alcoviteira e para sempre degredada”, vai tão desavergonhada,

como ia a feiticeira. E, quando estava, uma moça que passava na rua, para ir casar,

e a coitada que chegava a folia começava de cantar:

“uma moça tão formosa que vivia ali à Sé...”

Velho — Oh coitado! A minha é!

Mocinha — Agora, má hora e vossa! Vossa é a treva. Mas ela o noivo leva. Vai tão

leda, tão contente, uns cabelos como Eva; por certo que não se atreva toda a gente!

O Noivo, moço polido, não tirava os olhos dela, e ela dele. Oh que estrela! É ele um

par bem escolhido!

Velho — Ó roubado, da vaidade enganado, da vida e da fazenda! Ó velho, siso

enleado! Quem te meteu desastrado em tal contenda? Se os jovens amores, os mais

têm fins desastrados, que farão as cãs lançadas no conto dos amadores? Que

sentias, triste velho, em fim dos dias? Se a ti mesmo contemplaras, souberas que

não vias, e acertaras.

Quero-me ir buscar a morte, pois que tanto mal busquei. Quatro filhas que

criei eu as pus em pobre sorte. Vou morrer. Elas hão de padecer, porque não lhe

deixo nada; da quantia riqueza e haver fui sem razão despender, mal gastada.

FIM

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