Agora porém que ia voltar a Lisboa, dar soirées, crear côrte, a reconciliação tornava-se indispensavel: aquelle pae retirado em Bemfica, com o rigido orgulho de outras edades, faria lembrar constantemente, mesmo entre os seus espelhos e os seus estofos, o brigue Nova Linda carregado de negros... E queria mostrar-se a Lisboa pelo braço d'esse sogro tão nobre e tão ornamental, com as suas barbas de Viso-rei.

-Dize-lhe que já o adoro, murmurava ella curvada sobre a escrivaninha acariciando os cabellos de Pedro. Dize-lhe que se tiver um pequeno lhe hei de pôr o nome d'elle...

Escreve-lhe uma carta bonita, hein!

E foi bonita, foi terna a carta de Pedro ao papá. O pobre rapaz amava-o. Fallou-lhe commovido da esperança de ter um filho varão; as desintelligencias deviam findar em torno do berço d'aquelle pequeno Maia que alli vinha, morgado e herdeiro do nome...

Contava-lhe a sua felicidade com uma effusão de namorado indiscreto: a historia da bondade de Maria, das suas graças, da sua instrucção, enchia duas paginas: e jurava-lhe que apenas chegasse não tardaria uma hora em ir atirar-se aos seus pés...

Com effeito, apenas desembarcou, correu n'um trem a Bemfica. Dois dias antes o pae partira para Santa Olavia: isto pareceu-lhe uma desfeita - e feriu-o acerbamente.

Fez-se então entre o pae e o filho uma grande separação. Quando lhe nasceu uma filha Pedro não lh'o participou – dizendo dramaticamente ao Villaça «que já não tinha pae!» Era uma linda bébé, muito gorda, loira e côr de rosa, com os bellos olhos negros dos Maias. Apesar do desejo de Pedro, Maria não a quiz crear; mas adorava-a com phrenesi; passava dias de joelhos ao pé do berço, em extasi, correndo as suas mãos cheias de pedrarias pelas carninhas tenras, pondo-lhe beijos de devota nos pésinhos, na rosquinha das côxas, balbuciando-lhe n'um enlevo nomes de grande amor, e perfurmando-a já, enchendo-a já de laçarotes.

E n'estes delirios pela filha, brotava, mais amarga, a sua colera contra Affonso da Maia. Considerava-se então insultada em si mesma e n'aquelle cherubim que lhe nascera.

Injuriava o velho grosseiramente, chamava-lhe o D. Fuas, o Barbatanas...

Pedro um dia ouviu isto, e escandalisou-se: ella replicou desabridamente: e deante d'aquella face abrazada, onde entre lagrimas os olhos azues pareciam negros de colera, elle só poude balbuciar timidamente:

- É meu pae, Maria...

Seu pae! E á face de toda a Lisboa tratava-a então como uma concubina! Podia ser um fidalgo, as maneiras eram de villão. Um D. Fuas, um Barbatanas, nada mais!...

Arrebatou a filha, e abraçada n'ella, romperam as queixas por entre os prantos:

- Ninguem nos ama, meu anjo! Ninguem te quer! Tens só a tua mãe! Tratam-te como se fosses bastarda!

A bébé, sacudida nos braços da mãe, desatou a gritar. Pedro correu, envolveu-as ambas no mesmo abraço, já enternecido, já humilde; e tudo terminou n'um longo beijo.

E elle, por fim, no seu coração, justificava aquella colera de mãe que vê desprezado o seu anjo. De resto, mesmo alguns amigos de Pedro, o Alencar, o D. João da Cunha, que começavam agora a frequentar Arroios, riam d'aquella obstinação de pae gothico, amuado na provincia, porque sua nora não tivera avós mortos em Aljubarrota! E onde havia outra em Lisboa, com aquellas toilettes, aquella graça, recebendo tão bem? Que diabo, o mundo marchara, sahira-se já das attitudes empertigadas do seculo XVI!

E o proprio Villaça, um dia que Pedro lhe fôra mostrar a pequerruchinha adormecida entre as rendas do seu berço, sensibilisou-se, veio-lhe uma da suas faceis lagrimas, declarou, com a mão no coração, que aquillo era uma caturrice do sr. Affonso da Maia!

- Pois peior para elle! não querer ver um anjo destes! disse Maria, dando deante do espelho um lindo geito ás flores do cabello.

Tambem não faz cá falta...

E não fazia falta. N'esse outubro, quando a pequena completou o seu primeiro anno, houve um grande baile na casa de Arroios, que elles agora occupavam toda, e que fôra ricamente remobilada.