Olavia enchera-se de hospedes, o Sequeira, André da Ega, D. Diogo Coutinho...
- O Barbatanas trata-se! ia ella dizer ao pae com rancor.
E o velho negreiro esfregava as mãos, satisfeito de o saber assim feliz em Sta. Olavia; porque nunca cessara de tremer á idéa de ver em Arroios, deante de si, aquelle fidalgo tão severo e de vida tão pura.
Quando porém Maria teve outro filho, um pequeno, o socego que então se fez em Arroios trouxe de novo muito vivamente ao coração de Pedro a imagem do pae abandonado n'aquella tristeza do Douro. Fallou a Maria de reconciliação, a medo, aproveitando a fraqueza da convalescença. E a sua alegria foi grande, quando Maria, depois de ficar um momento pensativa, respondeu:
- Creio que me havia de fazer feliz tel-o aqui...
Pedro, enthusiasmado com um assentimento tão inesperado, pensou em abalar para Sta. Olavia. Mas ella tinha um plano melhor: Affonso, segundo dizia o Villaça, devia recolher em breve a Bemfica; pois bem, ella iria lá com o pequeno, toda vestida de preto, e de
repente, atirando-se-lhe aos pés, pedir-lhe-hia a benção para seu neto! Não podia falhar!
Não podia, realmente; e Pedro viu alli uma alta inspiração de maternidade...
Para abrandar desde já o papá, Pedro quiz dar ao pequeno o nome de Affonso. Mas n'isso Maria não consentiu. Andava lendo uma novella de que era heroe o ultimo Stuart, o romanesco principe Carlos Eduardo; e, namorada d'elle, das suas aventuras e desgraças, queria dar esse nome a seu filho... Carlos Eduardo da Maia! Um tal nome parecia-lhe conter todo um destino de amores e façanhas.
O baptisado teve de ser retardado; Maria adoecera com uma angina. Foi muito benigna porém; e d'ahi a duas semanas Pedro podia já sahir para uma caçada na sua quinta da Tojeira, adiante d'Almada. Devia demorar-se dois dias. A partida arranjara-se unicamente
para obsequiar um italiano, chegado por então a Lisboa, distincto rapaz que lhe fôra apresentado pelo secretario da Legação Ingleza, e com quem Pedro sympathisara vivamente; dizia-se sobrinho dos Principes de Soria; e vinha fugido de Napoles, onde conspirára contra os Bourbons, e fôra condemnado á morte. O Alencar e D. João Coutinho iam tambem á caçada - e a partida foi de madrugada.
N'essa tarde, Maria jantava só no seu quarto, quando sentiu carruagens parando á porta, um grande rumor encher a escada; quasi immediatamente Pedro apparecia-lhe tremulo e enfiado:
- Uma grande desgraça, Maria!
- Jesus!
- Feri o rapaz, feri o napolitano!...
- Como?
Um desastre estupido!... Ao saltar um barranco, a espingarda dispara-se-lhe, e a carga, zás, vae cravar-se no napolitano! Não era possivel fazer curativos na Tojeira, e voltaram logo a Lisboa. Elle naturalmente não consentira que o homem que tinha ferido recolhesse
ao hotel: trouxera-o para Arroios, para o quarto verde por cima, mandara chamar o medico, duas enfermeiras para o velar, e elle mesmo lá ia passar a noite...
- E elle?
- Um heroe!... Sorri, diz que não é nada, mas eu vejo-o pallido como um morto. Um rapaz adoravel! Isto só a mim, Senhor! E então o Alencar que ia mesmo ao pé d'elle... Podia antes ter ferido o Alencar, um rapaz intimo, de confiança! até a gente se ria. Mas não, zás, logo o outro, o de cerimonia ...
1 comment