Não queria dar a impressão de que estava interessado naquele menino gentil.
— Eu ainda o vejo como se fosse ontem, disse ela depois de uma pausa. Aqueles grandes olhos castanhos! E a expressão dos olhos — a expressão!
— Ah, então você era apaixonada por ele?, perguntou Gabriel.
— Nós costumávamos passear juntos em Galway, respondeu ela.
Um pensamento ocorreu a Gabriel.
— E foi por isso que você quis ir para Galway com a srta. Ivors?, perguntou de maneira fria.
Gretta o encarou com surpresa e perguntou:
— Para quê?
O olhar deixou Gabriel desconcertado. Ele deu de ombros e disse:
— Como é que eu vou saber? Para fazer uma visita, talvez.
Ela desviou o olhar da listra de luz em direção à janela sem dizer nada.
— Ele morreu, disse por fim. Morreu aos dezessete anos. Não é terrível morrer assim tão jovem?
— O que ele fazia da vida?, perguntou Gabriel, ainda de maneira irônica.
— Trabalhava no gasômetro, ela respondeu.
Gabriel sentiu-se humilhado pelo fracasso da ironia e pela evocação dessa imagem dos mortos — um garoto no gasômetro. Enquanto sentia-se repleto de memórias da vida secreta do casal, cheio de ternura e alegria e desejo, ela o comparava com outro. Sentiu-se invadido por uma consciência vergonhosa em relação a si próprio. Viu-se como uma figura ridícula, como o estafeta das tias, como um sentimentalista nervoso e bem-intencionado que discursava para o vulgo e idealizava as próprias luxúrias farsescas, como o pobre sujeito patético que tinha vislumbrado no espelho. Instintivamente virou as costas em direção à luz para que ela não percebesse a vergonha que lhe abrasava o rosto.
Tentou manter o tom frio de interrogação, mas quando falava a voz saía humilde e indiferente.
— Parece que você era apaixonada por esse Michael Furey, Gretta, disse.
— Nós éramos muito próximos naquela época, respondeu ela.
A voz parecia velada e triste. Gabriel, percebendo que seria inútil tentar levá-la até onde pretendia, acariciou-lhe uma das mãos e disse, também com tristeza na voz:
— E do que ele morreu tão jovem, Gretta? De tísica?
— Acho que morreu por minha causa.
Um terror indefinível tomou conta de Gabriel quando ouviu essa resposta, como se no momento em que esperava triunfar um ser impalpável e vingativo tivesse surgido para se opor, para reunir todas as forças adversárias de um mundo indefinível. Mesmo assim, conseguiu afastar o sentimento com um esforço da razão e continuou acariciando a mão da esposa. Não tornou a questioná-la, pois sentiu que ela falaria por conta própria. A mão estava quente e úmida: não respondia ao toque, porém ele continuou a acariciá-la da mesma forma como havia acariciado a primeira carta que ela havia lhe enviado naquela manhã de primavera.
— Foi no inverno, disse ela, no início do inverno, quando eu estava prestes a ir embora da casa da minha vó e vir para o convento aqui. Ele estava doente nos alojamentos em Galway e não o deixavam sair, então alguém mandou uma carta para a família em Oughterard. Na carta diziam que ele estava definhando ou alguma coisa assim. Eu nunca soube ao certo.
Ela parou por um instante e soltou um suspiro.
— Coitado, disse. Ele gostava muito de mim e era um menino muito gentil. Nós costumávamos sair juntos para caminhar, sabe, Gabriel, como as pessoas fazem no campo. Ele teria estudado canto se não fosse pela saúde. O pobrezinho tinha uma voz muito boa, o Michael Furey.
— Mas o que aconteceu?, perguntou Gabriel.
— Quando eu estava pronta para ir embora de Galway e vir para o convento ele tinha piorado muito e não me deixaram fazer uma visita, então eu escrevi uma carta dizendo que estava indo para Dublin e que voltaria no verão e desejando melhoras.
Ela parou por um instante para se reassenhorar da voz e prosseguiu:
— Na véspera da minha partida eu estava na casa da minha vó na Nuns’ Island fazendo as malas e ouvi uma pedrinha bater na janela. A janela estava tão molhada que eu não conseguia enxergar direito, então desci a escada do jeito como eu estava e saí pela porta dos fundos e lá estava o pobrezinho, tremendo no fundo do quintal.
— E você não disse para ele voltar?, perguntou Gabriel.
— Eu implorei a ele que fosse para casa e disse que acabaria morrendo por conta daquela chuva. Mas ele disse que não queria mais viver. Ainda vejo aqueles olhos como se estivessem aqui na minha frente! Ele estava perto do muro onde tinha uma árvore.
— E no fim ele foi para casa?, perguntou Gabriel.
— Foi. Mas quando eu completei uma semana no convento ele morreu e foi enterrado em Oughterard, onde a família morava. Ah, o dia em que eu soube que ele tinha morrido!
Ela parou, engasgada com o choro, e, tomada pela emoção, jogou-se com o rosto para baixo na cama, soluçando na colcha. Gabriel segurou-lhe a mão por mais um instante, sem saber o que fazer, e em seguida, temeroso de perturbar aquele luto, largou-a devagar e caminhou em silêncio até a janela.
Ela dormia um sono profundo.
Por alguns instantes Gabriel, apoiado no cotovelo, olhou sem ressentimento para os cabelos desgrenhados e a boca entreaberta enquanto ouvia a respiração profunda. Então Gretta tinha vivido aquele romance: um homem havia morrido por ela. Não o magoava muito pensar na ínfima parte que ele, como marido, tinha desempenhado na vida dela. Ficou a observá-la enquanto dormia como se ele e ela nunca tivessem vivido juntos como marido e mulher.
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