Ela não teve medo dele, pois parecia já ter visto aquele rosto em muitas mulheres sem filhos. Talvez tivesse visto aquele rosto em algumas mães também. Em seu sonho, o menino havia rasgado o véu que esconde a Terra do Nunca. Wendy, John e Michael espiavam pelo buraco aberto por ele.

O sonho por si só teria sido apenas uma coisa à toa, mas enquanto a senhora Darling sonhava, a janela do quarto se escancarou. Um menino entrou por ela e caiu rolando pelo chão. Vinha acompanhado por uma luzinha estranha, um pouco menor do que o punho de uma criança, voando feito uma flecha pelo cômodo como se estivesse viva. Acho que foi essa luz que acordou a senhora Darling.

Ela gritou ao ver o garoto. No mesmo instante, soube que aquele era Peter Pan. Se eu, você ou Wendy estivéssemos lá, teríamos notado que ele era muito parecido com o beijo da senhora Darling. Era um garoto encantador, coberto com um traje de folhas secas coladas com seiva de árvore, mas o mais fascinante é que ele ainda tinha todos os dentes de leite. Quando percebeu que estava diante de uma adulta, rosnou para ela, deixando à mostra suas pequenas pérolas.

A Sombra

A senhora Darling deu um grito e, como se alguém tivesse tocado a campainha, a porta se abriu. Nana entrou, de volta de sua noite de folga. Ao ver Peter, rosnou e avançou sobre ele, que, tranquilamente e sem nenhum esforço, saltou pela janela. A senhora Darling gritou de novo, agora aflita pelo garoto, que poderia morrer na queda. Desesperada, correu até a calçada em busca do pequeno cadáver, mas nada encontrou. Em seguida, olhou para o alto e, no breu da noite, viu algo que ela pensou ser uma estrela cadente.

Voltou ao quarto das crianças e viu Nana com algo na boca. Era a som­bra do menino. Quando Peter pulou pela janela, Nana a fechou no mesmo instante. Apesar de não tê-lo impedido, ela separou o menino de sua sombra.

A senhora Darling examinou a sombra meticulosamente, mas não viu nada de especial nela.

Nana não tinha dúvidas sobre o que deveria fazer com a sombra. Pendurou-a na janela, como se quisesse dizer: “Tenho certeza de que ele vai voltar para buscá-la. É só deixar em um lugar onde possa pegá-la sem incomodar as crianças”.

No entanto, a senhora Darling não podia deixar a sombra lá, pendurada daquele jeito. Parecia uma roupa secando no varal, o que dava à casa um tom deselegante. Pensou em mostrá-la ao senhor Darling, mas ele estava calculando os custos dos casacos que teria de comprar para John e Michael no inverno. Tinha uma toalha molhada em volta de sua cabeça, para manter a cuca fresca. Seria um pecado atrapalhá-lo. Além disso, ela sabia exatamente o que ele diria: “É nisso que dá ter uma cachorra como babá”.

Decidiu enrolar a sombra e guardá-la em uma gaveta. Sua ideia era esperar uma boa oportunidade para contar o caso ao marido. Ai, ai!

A oportunidade veio uma semana depois, naquela data fatídica. Obviamente era uma sexta-feira.

— Eu deveria ter sido mais cuidadosa; afinal, era uma sexta-feira — a senhora Darling diria ainda muitas vezes, depois, ao seu marido. Em algumas dessas vezes, Nana ficava ao lado dela, com a pata sobre a sua mão.

— Não, não! — era o que o senhor Darling sempre respondia.