Não ignoro o que esqueço.

Canto por esquecê-lo.

Pudesse eu suspender, inda que em sonho,

O Apolíneo curso, e conhecer-me,

Inda que louco, gêmeo

De uma hora imperecível!

Não Consentem

Não consentem os deuses mais que a vida.

Tudo pois refusemos, que nos alce

A irrespiráveis píncaros, Perenes sem ter flores.

Só de aceitar tenhamos a ciência,

E, enquanto bate o sangue em nossas fontes, Nem se engelha conosco O mesmo amor, duremos, Como vidros, às luzes transparentes

E deixando escorrer a chuva triste,

Só mornos ao sol quente, E refletindo um pouco.

Não Queiras

Não queiras, Lídia, edificar no spaço

Que figuras futuro, ou prometer-te Amanhã.

Cumpre-te hoje, não 'sperando.

Tu mesma és tua vida.

Não te destines, que não és futura.

Quem sabe se, entre a taça que esvazias,

E ela de novo enchida, não te a sorte Interpõe o abismo?

Não Quero as oferendas

Não quero as oferendas

Com que fingis, sinceros,

Dar-me os dons que me dais.

Dais-me o que perderei,

Chorando-o, duas vezes,

Por vosso e meu, perdido.

Antes mo prometais

Sem mo dardes, que a perda

Será mais na esperança

Que na recordação.

Não terei mais desgosto

Que o contínuo da vida,

Vendo que com os dias

Tarda o que espera, e é nada.

Não Quero, Cloe, teu amor que oprime

Não quero, Cloe, teu amor, que oprime

Porque me exige amor. Quero ser livre.

A esperança é um dever do sentimento.

Não Quero recordar nem conhecer-me

Não quero recordar nem conhecer-me.

Somos demais se olhamos em quem somos.

Ignorar que vivemos

Cumpre bastante a vida.

Tanto quanto vivemos, vive a hora

Em que vivemos, igualmente morta

Quando passa conosco,

Que passamos com ela.

Se sabê-lo não serve de sabê-lo

(Pois sem poder que vale conhecermos?)

Melhor vida é a vida

Que dura sem medir-se.

Não Só Vinho

Não só vinho, mas nele o olvido, deito

Na taça: serei ledo, porque a dita É ignara.

Quem, lembrando Ou prevendo, sorrira?

Dos brutos, não a vida, senão a alma,

Consigamos, pensando; recolhidos

No impalpável destino

Que não espera nem lembra.

Com mão mortal elevo à mortal boca

Em frágil taça o passageiro vinho,

Baços os olhos feitos Para deixar de ver.

Não só quem nos odeia ou nos inveja

Não só quem nos odeia ou nos inveja

Nos limita e oprime; quem nos ama

Não menos nos limita.

Que os deuses me concedam que, despido

De afetos, tenha a fria liberdade

Dos píncaros sem nada.

Quem quer pouco, tem tudo; quem quer nada

É livre; quem não tem, e não deseja,

Homem, é igual aos deuses.

Não sei de quem recordo meu passado

Não sei de quem recordo meu passado

Que outrem fui quando o fui, nem me conheço Como sentindo com minha alma aquela

Alma que a sentir lembro.

De dia a outro nos desamparamos.

Nada de verdadeiro a nós nos une

Somos quem somos, e quem fomos foi

Coisa vista por dentro.