O Inspetor deixou cair a caixinha de fósforos sobre a mesa.

— Você encontra-se em erro crasso — disse. — Estes senhores que vê aqui, e eu, desempenhamos um papel completamente acessório em seu assunto, do qual, para dizer a verdade, não sabemos quase nada. Se trouxéssemos nossos uniformes do modo mais regulamentar possível, nem por isso sua causa estaria melhor do que está. Muito menos lhe posso dizer, a você, de modo algum que está acusado, ou, dizendo melhor, não sei se o está. O certo é que está detido. Isto é tudo quanto sei. Se os guardas estiveram falando com você e sugeriram outra coisa, não deve encarar isso senão como simples falatórios. Mas se não posso responder às suas perguntas, posso em troca aconselhar-lhe que pense menos em nós e naquilo que lhe aconteceu esta manhã e mais em você mesmo. Por outro lado, não se alvoroce tanto com protestos de inocência porque isso causa má impressão, sendo certo que a outros respeitos você impressiona bem. Sobretudo, tem de se moderar em suas manifestações pois quase tudo quanto acaba de dizer podia tê-lo expressado com algumas palavras, e podíamos tê-lo entendido pela sua atitude; tudo isso não fala muito em seu favor.

K. ficou olhando fixamente o Inspetor. Então esse homem, mais jovem talvez do que ele, lhe dava lições como se estivessem na escola? Castigava a sua franqueza com uma reprimenda? E nada lhe diria, então, a respeito do motivo da detenção e da autoridade que a ordenara? Chegou a sentir-se irritado; passeou de cima para baixo na sala, coisa que ninguém obstou que fizesse; pôs em ordem os punhos da camisa, passou a mão pelo peito; alisou o cabelo e, aproximando-se dos três senhores, disse:

— Isto não tem o menor sentido.

Estas palavras fizeram com que os homens se voltassem para K. e o olhassem com gravidade. Por fim, K. voltou a deter-se diante da mesa do Inspetor.

— Hasterer, o fiscal, é um bom amigo meu — disse K. —, posso telefonar-lhe?

— Certamente — respondeu o Inspetor —, porém não chego a compreender por que deseja fazê-lo, a não ser que tenha a intenção de falar com ele a respeito de algum assunto particular.

— Não chega a compreender, por. quê? — exclamou K., mais confundido do que irritado. — Mas, quem são vocês? No que me diz respeito querem achar um sentido e comportam-se de modo mais insensato que possa haver. Não é para se ficar petrificado?

Em primeiro lugar, os senhores assaltam-me em minha casa, sentam-se ou estão aqui de pé ao redor de mim e me atropelam em grande estilo. Carece porventura de sentido chamar pelo telefone um advogado já que sou declarado detido? Pois bem, não telefonarei.

— Mas, sim — disse o Inspetor, assinalando com a mão para o vestíbulo em que se encontrava o telefone. — Telefone, peço-lhe.

— Não, já não desejo telefonar — replicou K., dirigindo-se para a janela. Lá em cima continuava firme em seu posto na janela o grupo de antes; apenas pareceram perturbar-se um pouco na tranqüila contemplação a que estavam entregues quando K. se aproximou para olhá-los.