Capuleto
É o seguinte; oh Ama, saia um pouco.
O assunto é secreto. Ama, volte!
Pensei melhor; preciso do seu conselho,
Conhece minha filha desde o berço.
Ama
Eu sei até a hora em que nasceu.
Sra. Capuleto
Não fez 14 anos.
Ama
Por 14
Destes meus dentes — que são quatro — eu juro
Que ela não fez 14. O quanto falta
Para um de agosto?
Sra. Capuleto
Mais uns vinte dias.
Ama
Por mais ou menos, neste mesmo ano,
No dia um, à noite, faz 14.
Susana e ela — Deus nos salve a todos —
Nasceram juntas. Ela foi pro céu.
Eu não a merecia. Como eu disse,
Em agosto ela faz 14 anos.
Isso mesmo, eu me lembro muito bem.
Faz 11 anos que tremeu a terra,
E ela desmamou — nunca me esqueço —
Do ano inteiro, bem naquele dia.
Eu passei óleo amargo no meu peito
E sentei, bem ao sol, junto ao pombal.
A senhora e o patrão — ’stavam em Mântua —
A cachola está boa. Como eu disse,
Quando sentiu no seio o óleo amargo,
A pombinha achou ruim, achou amargo,
Fez cara feia e brigou com meu peito.
O pombal sacudiu! Nem precisei
Repetir a receita.
E desde então passaram-se 11 anos.
Juro por Deus que já ficava em pé,
Já andava e corria por aí,
Pois nesse dia bateu com a cabeça;
E então meu marido — Deus o tenha —
Ele era muito alegre — levantou-a,
Dizendo — “Mas se cai assim, de cara?
Quando souber das coisas, cai de costas,
Não é, Julinha?” E por tudo o que é santo,
A boba ficou quieta e disse “É.”
Vejam só como os chistes aparecem!
Nem que viva mil anos, eu lhes juro,
Eu hei de me esquecer, “Não é, Julinha?”
E a boba, sem chorar, responder: “É.”
Sra. Capuleto
Agora, chega. Por favor, silêncio.
Ama
Sim, senhora, mas é mesmo de rir
Ela não chora, mais, e dizer: “É.”
E eu garanto que, bem aqui na testa,
Tinha um inchaço que até parecia
Colhão de galo, e que doía muito.
E ele disse: “Cai assim, de cara?
Quando crescer só vai cair de costas,
Não é, Julinha?” E ela disse: “É.”
Julieta
Pois hoje eu digo: “Ama, agora chega.”
Ama
Pronto, acabei. Que Deus a abençoe,
Nunca criei menina tão bonita.
Se viver pra ver seu casamento,
É o meu sonho.
Sra. Capuleto
Pois casamento é justamente o tema
Desta conversa. Diga-me aqui, Julieta,
Como se sente quanto ao casamento?
Julieta
É honra com que nunca ousei sonhar.
Ama
Uma honra. Não fosse eu sua ama,
E diria que o juízo vem do peito.
Sra. Capuleto
Pois pense nele. Mocinhas mais jovens
Que você, na nobreza de Verona,
São hoje mães. Pelas minhas contas,
Eu era sua mãe, com a mesma idade
Que você tem de solteira. Enfim,
O nobre Páris quer o seu amor.
Ama
Um homem, moça. Um homão, senhora,
Que no mundo... ele serve de modelo.
Sra. Capuleto
A fina flor do verão de Verona.
Ama
Uma flor, mesmo; ele é uma flor.
Sra. Capuleto
Que diz? Será capaz de amá-lo?
Hoje à noite irá vê-lo em nossa festa.
Estude o livro do rosto de Páris,
Escrito pela pena da beleza.
Repare na harmonia das feições,
Pois cada uma embeleza a outra;
E se algo fica obscuro no volume,
As notas no olhar aclaram tudo.
Esse livro do amor, com as folhas soltas,
Pra perfeição precisa só de capa.
O peixe é pro mar. É erro eterno
A beleza ocultar o belo interno;
Visto por muitos, um livro tem glória,
Porque abraça o tesouro de uma história:
Compartilhando do que ele possui,
Ao tê-lo, você não se diminui.
Ama
Aumenta, que a mulher cresce com o homem.
Sra. Capuleto
Diga: o amor de Páris lhe agrada?
Julieta
Sim, se ao olhar sentir-me apaixonada.
Porém mais longe eu nunca hei de ir,
Que o voo que a senhora consentir.
(Entra um criado.)
Criado
Senhora, os convidados chegaram, a ceia está servida, a senhora foi chamada, procuram a patroinha, na copa xingam a Ama, e tudo está uma loucura. Tenho de correr para servir, e imploro que venha logo. (Sai.)
Sra. Capuleto
Julieta, o conde aguarda, e com ardor.
Ama
Com noite boa, o dia é bem melhor. (Saem.)
Cena IV
(Entram Romeu, Mercúcio, Benvólio, com cinco ou seis outros mascarados e portadores de tochas.)
Romeu
Vamos usar a fala que ensaiamos?
Ou entramos sem desculpa?
Benvólio
Não ’stá na moda dizer muita coisa.
Não há Cupido aqui, de olhos velados,
Com arco oriental feito de ripas,
Como espantalho a assustar as moças;
Nem prólogo sem texto, atrapalhando,
A esperar o ponto, pra entrarmos.
Que eles nos meçam pelo que quiserem,
Nós dançamos um pouco e já sumimos.
Romeu
Eu não quero brincar; deem-me uma tocha;
Por estar tão sombrio, eu levo a luz.
Mercúcio
Nada disso, Romeu; tem de dançar.
Romeu
Creia-me, eu não. Mas você tem sapatos
De alma leve, mas a minha alma é de chumbo.
Grudado ao chão, mal posso caminhar.
Mercúcio
Mas amante pede asas a Cupido
Pra voar muito acima disso tudo.
Romeu
A sua flecha foi tão fundo em mim
Que não dá pr’eu voar com suas penas.
Não alcança mais alto que um suspiro,
’Stou me afogando ao peso desse amor.
Mercúcio
Quando vai fundo, o amor é sempre um [peso —
E sempre oprime algo de delicado.
Romeu
O amor é delicado? É antes bruto,
Rude demais, e espeta como um espinho.
Mercúcio
Se é rude com você, faça-lhe o mesmo;
Se o furou, fure alguém que ele se aquieta.
Deem-me uma caixa pr’eu guardar meu rosto;
Uma cara por outra. O que me importa
Que curiosos vejam meus defeitos?
Benvólio
Vamos bater e entrar; uma vez dentro,
Cada um fica entregue às próprias pernas.
Romeu
Quero uma tocha.
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