Criação

Há no amor um momento de grandeza,

Que é de inconsciência e de êxtase bendito:

Os dois corpos são toda a Natureza,

As duas almas são todo o Infinito.

É um mistério de força e de surpresa!

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Estala o coração da terra, aflito;

Rasga-se em luz fecunda a esfera acesa,

E de todos os astros rompe um grito.

Deus transmite o seu hálito aos amantes:

Cada beijo é a sanção dos Sete Dias,

E a Gênese fulgura em cada abraço;

Porque, entre as duas bocas soluçantes,

Rola todo o Universo, em harmonias

E em glorificações, enchendo o espaço!

Maternidade

"O Senhor disse à mulher: Por que

fizeste isto? Eu multiplicarei os

teus trabalhos!"

(Gen., cap. III.)

Ventre mártir, a rútila visita

Do amor fecundo te arrancou do sono:

E irradias, lampejas como um trono

De animado marfim que à luz palpita!

Ergues-te, em esto de orgulhoso entono:

Fere-te enfim a maldição bendita!

Tens o viço da Terra, quando a agita,

Rico de orvalhos e de sóis, o outono.

Augusto, em gozo eterno, o teu suplício...

Feliz a tua dor propiciatória...

- Rasga-te, altar do torturante auspício,

E abra-se em flores tua alvura ebórea,

Ensangüentada pelo sacrifício,

Para a maternidade e para a glória!

Os Amores da Aranha

Com o veludo do ventre a palpitar hirsuto

E os oito olhos de brasa ardendo em febre estranha,

Vede-a: chega ao portal do intrincado reduto,

E na glória nupcial do sol se aquece e banha.

Moscas! podeis revoar, sem medo à sua sanha:

Mole e tonta de amor, pendente o palpo astuto,

E recolhido o anzol da mandíbula, a aranha

Ansiosa espera e atrai o amante de um minuto...

E ei-lo corre, ei-lo acode à festa e à morte! Um hino

Curto e louco, um momento, abala e inflama o fausto

Do aranhol de ouro e seda... E o aguilhão assassino

Da esposa satisfeita abate o noivo exausto,

Que cai, sentindo a um tempo, — invejável destino!

A tortura do espasmo e o gozo do holocausto.

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Os Amores da Abelha

Quando, em prônubo anseio, a abelha as asas solta

E escala o espaço, - ardendo, êxul do corcho céreo,

Louca, se precipita a sussurrante escolta

Dos noivos zonzos, voando ao nupcial mistério.

Em breve, sucumbindo, o enxame arqueja, e volta...

Mas o mais forte, um só, senhor do excelso império,

Segue a esquiva, e, em zunzum zeloso de revolta,

Entoa o epitalâmio e o cântico funéreo:

Toca-a, fecunda-a, e vence, e morre na vitória...

A esposa, livre, ao sol, no alto do firmamento,

Palra, e, rainha e mie, zumbe de orgulho e glória;

E, rodopiando, inerte, o suicida sublime,

Entre as bênçãos da luz e os hosanas do vento,

Rola, mártir feliz do delicioso crime.

Semper Impendent...

Se amas, se da velhice entras a porta escura,

Maldize o teu amor, que é um triste adeus à vida!

Porque no teu amor de velho se mistura

Ao enlevo de um noivo a angústia de um suicida.

Louco! vês entreabrir-se a cova, na doçura

Do aconchego nupcial que ao gozo te convida;

E, na incerteza atroz da carícia futura,

Cada afago te dói como uma despedida.

Sofres um estertor em cada abraço, um grito

Em cada beijo, em cada anseio uma saudade:

É um rolar, um ferver num inferno infinito!

No desesperador prazer do teu transporte,

Sentes a crispação da treva que te invade,

O doloroso amargo ante-sabor da morte...

O Oitavo Pecado

Vivendo para a morte, alegre da tristeza,

Temendo o fogo eterno e a danação sulfúrea,

Gelaste no cilício, em ascética fúria,

A alma ridente, o sangue em esto, a carne acesa.

Foste mártir e herói da própria natureza.

Intacto de ambição, de desejo ou de injúria,

Para ganhar o céu, venceste a ira, a luxúria,

A gula, a inveja, o orgulho, a preguiça e a avareza.

Mas não amaste! E, além do Inferno, um outro existe,

Onde é mais alto o choro e o horror dos renegados:

Ali, penando, tu, que o amor nunca sentiste,

Pagarás sem amor os dias dissipados!

Esqueceste o pecado oitavo: e era o mais triste,

Mortal, entre os mortais, de todos os pecados!

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Salutaris Porta

Para conter aquela imensa chama,

Os nossos corações eram pequenos:

Tivemos medo da paixão... E ao menos

Não vimos tanto céu mudado em lama!

O velário correu-se antes do drama.

E não houve perfídias nem venenos

Entre os nossos espíritos serenos,

Que a saudade do prólogo embalsama.

Bendigamos o amor que foi tão curto,

O sonho vago que expirou tão cedo,

Sossobrado no porto antes do surto!

Feliz o idílio que não teve história!

Salvando-nos do tédio, o nosso medo

Foi uma porta de ouro para a glória!

Assombração

Conheço um coração, tapera escura,

Casa assombrada, onde andam penitentes

Sombras e ecos de amor, e em que perdura

A saudade, presença dos ausentes.

Evadidos da paz da sepultura,

Num tatalar de tíbias e de dentes,

Revivem os fantasmas da ternura,

Arrastando sudários e correntes.

Rangem os gonzos no bater das portas,

E os corredores enchem-se de prantos...

Um mundo de avejões do chão se eleva,

Ressuscitado pelas horas mortas:

Frios abraços gemem pelos cantos,

Beijos defuntos fogem pela treva.

Palmeira Imperial

Mostras na glória um coração mesquinho...

Numa beleza esplêndida, que aterra,

Passas desencadeando um ar de guerra,

Sem deixar um perfume no caminho.