Há na terra milhões de mulheres formosas,
Ao alcance do teu desejo... Mas procuras
As que não vivem, sonho e afeto que não gozas
Nem gozarás, visões passadas ou futuras.
Assim, numa abstração de números e imagens,
Vives. Olhas com tédio o planeta ermo e triste,
E achas deserta e escura a abóbada celeste.
E morrerás, sozinho, entre duas miragens:
As estrelas sem nome - a luz que nunca viste,
E as mulheres sem corpo - o amor que não tiveste!
Cantilena
Quando as estrelas surgem na tarde, surge a [esperança...
Toda alma triste no seu desgosto sonha um Messias:
Quem sabe? o acaso, na sorte esquiva, traz: a mudança
E enche de mundos as existências que eram vazias!
Quando as estrelas brilham mais vivas, brilha a esperança...
Os olhos fulgem; loucas, ensaiam as asas frias:
Tantos amores há pela terra, que a mão alcança!
E há tantos astros, com outras vidas, para outros dias!
35
www.nead.unama.br
Mas, de asas fracas, baixando os olhos, o sonho cansa;
No céu e na alma, cerram-se as brumas, gelam as luzes:
Quando as estrelas tremem de frio, treme a esperança...
Tempo, o delírio da mocidade não reproduzes!
Dorme o passado: quantas saudades, e quantas cruzes!
Quando as estrelas morrem na aurora, morre a esperança...
Sonho
Ter nascido homem outro, em outros dias,
- Não hoje, nesta agitação sem glória,
Em traficâncias e mesquinharias,
Numa apagada vida merencória...
Ter nascido numa era de utopias,
Nos áureos ciclos épicos da História,
Ardendo em generosas fantasias,
Em rajadas de amor e de vitória:
Campeão e trovador da Idade Média,
Herói no galanteio e na cruzada,
Viver entre um idílio e uma tragédia;
E morrer em sorrisos e lampejos,
Por um gesto, um olhar, um sonho, um nada,
Traspassado de golpes e de beijos!
Ruth
Pede pouco! Mais tem do que um monarca
O pobre, tendo o pouco que pedia:
E é rico, achando, ao terminar do dia,
Paz no espírito e pão no fundo da arca,
Triste, ó alma, a ambição que o mundo abarca!
Perde tudo quem quer a demasia.
Poupa o riso e o prazer! porque a alegria
Tanto é mais doce quanto mais é parca.
Feliz, modesto coração, te dizes,
Quando vais, como Ruth, em muda prece,
Empós dos segadores mais felizes:
Feliz é o simples, que, feliz, procura
Uma espiga apanhar da alheia messe,
Um resto miserável da ventura.
Abisag
Cedes a um velho inválido e insensato,
(Mais insensato do que tu!) sorrindo,
A graça e o viço do teu corpo lindo,
A tua formosura e o teu recato...
Em breve, louca! o teu delírio findo,
36
www.nead.unama.br
Compreenderás o horror deste contrato:
Ter dado aroma a quem não tem olfato,
Pedir amparo ao que já está caindo.
Ele, um dia, amargando a sua glória,
Chorando o seu império e o teu degredo,
O teu remorso e o seu pavor covarde,
Morrerá de vergonha na vitória:
Triste ilusão, que te acordou tão cedo!
Fortuna triste, que o escolheu tão tarde!
Estuário
Viverei! Nos meus dias descontentes,
Não sofro só por mim... Sofro, a sangrar,
Todo o infinito universal pesar,
A tristeza das cousas e dos entes.
Alheios prantos, em cachões ardentes,
Vêm ao meu coração e ao meu olhar:
— Tal, num estuário imenso, acolhe o mar
Todas as águas vivas das vertentes.
Morre o infeliz, que unicamente encerra
A própria dor, estrangulada em si...
Mas vive a Vida que em meus versos erra;
Vive o consolo que deixei aqui;
Vive a piedade que espalhei na terra...
Assim, não morrerei, porque sofri!
Consolação
Penso às vezes nos sonhos, nos amores,
Que inflamei A distância pelo espaço;
Penso nas ilusões do meu regaço
Levadas pelo vento a alheias dores...
Penso na multidão dos sofredores,
Que uma bênção tiveram do meu braço:
Talvez algum repouso ao seu cansaço,
Talvez ao seu deserto algumas flores...
Penso nas amizades sem raízes,
Nos afetos anônimos, dispersos,
Que tenho sob os céus de outros países...
Penso neste milagre dos meus versos:
Um pouco de modéstia aos mais felizes,
Um pouco de bondade aos mais perversos...
Penetralia
Falei tanto de amor!... de galanteio,
Vaidade e brinco, passatempo e graça,
37
www.nead.unama.br
Ou desejo fugaz, que brilha e passa
No relâmpago breve com que veio...
O verdadeiro amor, honra ou desgraça,
Gozo ou suplício, no íntimo fechei-o:
Nunca o entreguei ao publico recreio,
Nunca o expus indiscreto ao sol da praça.
Não proclamei os nomes, que, baixinho,
Rezava... E ainda hoje, tímido, mergulho
Em funda sombra o meu melhor carinho.
Quando amo, amo e deliro sem barulho;
E, quando sofro, calo-me, e definho
Na ventura infeliz do meu orgulho.
Prece
Durma, de tuas mãos nas palmas sacrossantas,
O meu remorso.
1 comment