Transformação (Coleção Góticos Livro 7)

Góticos

Vampiros, múmias, fantasmas

e outros astros da
literatura de terror

 

 

Transformação

Mary Shelley

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Este conto pertence ao livro Os Góticos - Contos Clássicos, primeiro volume da coleção "Góticos"

 

Lista completa de contos da coleção:

 

Os Góticos – Contos clássicos

- Lord Byron: A uma taça feita de um crânio humano (tradução: Castro Alves – em Espumas Flutuantes)

- John William Polidori: O Vampiro (tradução: Luiz Antonio Aguiar)

- W. W. Jacobs: A Pata do Macaco (tradução: Sandra Pina)

- J. W. Goethe: Poemas macabros - Catalepsia/A dança da morte (tradução: Claudia Abeling)

- Arthur Conan Doyle: Lote 249 (tradução: Oscar Mendes/copidesque: Luiz Antonio Aguiar)

- Bram Stoker: O Hóspede de Drácula (tradução: Luiz Antonio Aguiar)

- Mary Shelley: Transformação (tradução: Domingos Demasi)

- Edgar Allan Poe: A queda da casa de Usher (tradução: Domingos Demasi)

- Théophile Gautier: A Amante Morta (tradução: Margaret Sobral)

- Sheridan Le Fanu: Dickson, o Diabo (tradução: Sandra Pina)

- Robert Louis Stevenson: Janet, a Maligna (tradução: Sandra Pina)

- Coletânea de ensaios: "Histórias para sentir medo", Pedro Bandeira; "O fascínio do medo", Luiz Raul Machado; "Sombras da adolescência", Daniel Piza; "O terror diz: 'até breve!'", Luiz Antonio Aguiar.

 

Góticos II – Lúgubres mistérios

- Augusto dos Anjos: 4 Poemas - “O caixão fantástico”, “O coveiro”, “O morcego”, “Vozes da morte”

- Bram Stoker: A casa do juiz (tradução: Luiz Antonio Aguiar)

- Charles Dickens: A noiva do enforcado (tradução: Sandra Pina)

- Rudyard Kipling: A marca da besta (tradução: Sandra Pina)

- Mary Shelley: O olho maligno (tradução: Domingos Demasi)

- Robert Louis Stevenson: Olalla (tradução: Sandra Pina)

- Machado de Assis: Um esqueleto

- Henry James: Sir Edmund Orme (tradução: Domingos Demasi)

- Johann Wolfgang von Goethe: A noiva de Corinto (tradução: Claudia Abeling)

- Daniel Defoe: O fantasma de todas as salas (tradução: Luiz Antonio Aguiar)

- Bram Stoker: A corrente do destino (tradução: Luiz Antonio Aguiar)

- Coletânea de ensaios: "Presença do gótico", Laura Sandroni; "O sangue de Drácula", Rodrigo Lacerda; "Lúgubres mistérios", Luiz Antonio Aguiar.

abertura

O terror diz “Olá!”

Apresentação de Luiz Antonio Aguiar

Os contos e poemas que você vai ler nesta coleção fazem parte de uma série nobre da literatura. São clássicos, o que, em determinadas compreensões, significa que são modelos de excelência e o que melhor se criou em literatura, tanto pelas técnicas de composição e pelo manuseio da linguagem como em termos de representação da alma humana – ou de seus mistérios, de seu lado obscuro, velado...

Autores como Arthur Conan Doyle, Mary Shelley, Bram Stoker Théophile Gautier, Sheridan Le Fanu, Edgar Allan Poe e Robert Louis Stevenson, entre outros dos que estão em Góticos: Vampiros, múmias, fantasmas e outros astros da literatura de terror, escreveram alguns dos melhores romances e contos da ficção mundial. São mestres, gênios da literatura e referência para os escritores que vieram depois, até os dias de hoje. Alguns deles criaram personagens que, por sua vez, foram escolhidos pelos leitores como os mais fantásticos, os mais sensacionais de todos os tempos. E todos são parte de uma das linhagens mais populares e mais impactantes da literatura gótica, tanto pela competência de composição de suas histórias e personagens como pelo tema central sobre o qual se debruçaram: o medo, em especial nossos terrores mais íntimos, os inconfessáveis, os que – para muito além de um simples instante de susto – povoam nossos pesadelos... Ou os que imaginamos estampados na indecifrável escuridão.

Afinal, o terror está na origem da literatura. No Canto XI da Odisseia – o poema épico que, com a Ilíada, ambos de Homero, fundou a literatura ocidental – Ulisses, seguindo indicação da deusa-feiticeira Circe, precisa enfrentar o maior horror dos antigos gregos: o Reino dos Mortos. Naquele domínio das trevas e do esquecimento, espíritos dos que pereceram vagam, numa existência sem sentido, sofrendo atrozmente, o tempo todo, a saudade da vida sob o sol, no plano terreno, sem poder sequer se consolar com lembranças. Isso porque a mente turvada desses espíritos só pode ser despertada quando – como faz Ulisses – eles são chamados a beber sangue ainda fresco (no caso, de um animal sacrificado para esse fim). Só assim Ulisses pode receber de Tirésias, o profeta, as indicações que lhe permitirão voltar para seu lar, a Ilha de Ítaca. Ora, essas imagens do submundo são terríveis, insanas, marcantes, tanto mais quanto o Reino dos Mortos, na mitologia grega, com todos os seus tormentos, não seleciona entre os bons e os maus aqueles que vai absorver. Todos os espíritos dos mortos vão para lá, o que lança para nós, e todos aqueles que são criados com a ideia de um inferno como castigo do pecado, uma aterradora condenação inelutável, da qual nem os bons atos nem a virtude podem nos salvar.

Não é à toa que muitos clássicos do terror são focados na sofrida dificuldade de lidar com nossa própria condição mortal. E é por isso também, por nos colocar frente a frente com um tema ao mesmo tempo tão árduo e tão fascinante, tão íntimo e, por tudo isso, universal, que essas histórias permanecem, sobrevivem às mudanças culturais, de costumes, de linguagem, e se tornam clássicos. É dessa literatura que foram selecionadas as histórias que você vai ler em Góticos.

Além disso, o gênero gótico é um viés dos mais importantes do Romantismo, com ramificações no mundo inteiro. Entre nós, influenciou romancistas, como José de Alencar e Machado de Assis, e poetas, como Álvares de Azevedo e Castro Alves. Não é à toa que esta coletânea é aberta com um poema de LORD Byron, que, se não foi um autor de destaque do gênero gótico, embora um dos expoentes e mesmo um autor-símbolo do romantismo europeu, tem sua história profundamente ligada a um momento crucial do gótico romântico – por causa de certa temporada às margens do Lago de Genebra, na Suíça, junto com Mary Shelley e John Polidori, em 1816, a qual muito iremos mencionar.

Nesta coletânea, você vai encontrar, depois de cada obra, um comentário (AUTOR E OBRA) sobre a importância literária do que leu, seus descendentes e linhagem, as relações do autor com a literatura, a influência que exerceu e os elementos de composição literária mais destacados usados por ele. Além disso, há depoimentos de bons leitores das histórias de terror, falando de sua experiência de leitura. São eles Pedro Bandeira, Daniel Piza e Luiz Raul Machado. Há também um ensaio – O Terror Diz: “Até Breve!” –, com interessantes curiosidades e reflexões sobre o gênero gótico.

Enfim, ninguém vai sair imune aos calafrios de Góticos: Vampiros, múmias, fantasmas e outros astros da literatura de terror. Bem-vindo a este estranho reino, no qual o antigo e o moderno tramam histórias sobre o medo, antros do mal, passagens entre a vida e a morte e espelhos cujos reflexos por vezes são imagens inconfessáveis de nós mesmos.

Se esbarrar com alguma monstruosidade, não grite alto demais, ou outra assombração pode também despertar.

Vire a página por sua conta e risco.

abertura

Transformação

Mary Shelley

Tradução: Domingos Demasi

Imediatamente, esta minha carcaça foi retorcida

Por terrível agonia,

O que me forçou a iniciar minha história

E, logo depois, ela me libertou.

Desde então, a uma hora incerta,

A agonia retorna;

E até minha medonha história ser contada

Este coração dentro de mim queima.

 

“Velho marinheiro”, de Coleridge

 

 

 

Ouvi dizer que, quando ocorre qualquer aventura estranha, sobrenatural e necromântica a um ser humano, esse ser, embora desejoso de ocultar o fato, sente-se, em certos períodos, assolado como por um terremoto intelectual e é forçado a desnudar para outro as profundezas de seu espírito. Sou testemunha da verdade disso. Jurei solenemente a mim mesmo nunca revelar a humanos os horrores aos quais eu, certa vez, por excesso de orgulho demoníaco, entreguei-me. O homem santo que ouviu minha confissão e me reconciliou com a Igreja está morto. Ninguém sabe que, certa vez...

Por que não deveria ser desse modo? Por que contar uma história de ímpia tentação da Providência e humilhação de alma subjugada? Por quê? Responde-me, tu que és versado nos segredos da natureza humana! Eu sei apenas que assim é; e, apesar de forte determinação – de um orgulho que me domina tenazmente –, de vergonha, e mesmo de medo, de parecer odioso à minha espécie, eu tenho de falar.

Gênova! minha orgulhosa cidade natal! Contemplo as ondas azuis do Mar Mediterrâneo – tu te lembras de mim, em minha infância, quando teus rochedos e promontórios, teu céu brilhante e alegres vinhedos eram o meu mundo? Época feliz, quando, para o coração jovem, o universo confinado, que deixa, pela sua própria limitação, espaço livre para a imaginação, cativa nossas energias físicas, e único período em nossa vida em que inocência e prazer estão unidos! Entretanto, quem pode olhar para trás, para a infância, e não se lembrar de suas dores e seus angustiantes temores? Eu nasci com o mais imperioso, arrogante e indomável espírito, com o qual nunca um mortal foi agraciado. Cedia apenas diante do meu pai; e ele, generoso e nobre, mas caprichoso e tirânico, de imediato nutriu e reprimiu a selvagem impetuosidade do meu caráter, tornando a obediência necessária, mas sem inspirar respeito pelos motivos que guiavam suas ordens. Ser um homem livre, independente ou, mais bem-posto, insolente e dominador era a esperança e a súplica de meu coração rebelde.

Meu pai tinha um amigo, um rico nobre genovês, o qual em meio a turbulências políticas foi subitamente sentenciado ao desterro, e sua propriedade, confiscada. O marquês Torella foi sozinho para o exílio. Assim como meu pai, ele era viúvo: tinha uma filha, a quase infante Juliet, que foi deixada sob a guarda de meu pai.