Deixo tudo em status quo até receber uma palavra sua. Se não puder aparecer, eu lhe darei mais detalhes pormenorizados, e teria na conta de uma grande gentileza, se você se dignasse a me dar a sua opinião.
Atenciosamente,
Tobias Gregson.”
– Gregson é o policial mais inteligente da Scotland Yard – observou meu amigo. – Ele e Lestrade são a nata de um bando muito ruim. São ambos rápidos e energéticos, mas convencionais, chocantemente convencionais. Vivem se apunhalando, também. São tão invejosos quanto um par de beldades profissionais. Esse caso vai ser divertido, se todos os dois forem designados para resolvê-lo.
Eu estava perplexo com o modo calmo como ele continuava a falar.
– Certamente não há um momento a perder – gritei. – Devo sair para chamar um carro de aluguel?
– Não sei se devo ir ou não. Sou o diabo mais incuravelmente preguiçoso que existe neste mundo... isto é, quando a preguiça me ataca, pois de vez em quando sou bastante ativo.
– Mas é justamente a oportunidade que você estava esperando.
– Meu caro amigo, que me importa? Supondo-se que eu desvende toda a questão, pode ficar certo de que Gregson, Lestrade e Cia. vão embolsar todo o crédito. É o que dá ser um personagem não oficial.
– Mas ele está pedindo a sua ajuda.
– Sim. Ele sabe que sou seu superior, o que reconhece na sua carta para mim. Mas cortaria a sua língua antes de admitir o fato para uma terceira pessoa. Entretanto, bem que podemos dar uma olhada na cena. Vou investigar o caso por minha própria conta. Se não conseguir nada mais, posso pelo menos zombar deles. Vamos!
Enfiou às pressas o seu casacão e se animou de um jeito que demonstrava que o ataque de energia tinha sobrepujado o de apatia.
– Pegue o seu chapéu – disse.
– Você quer que eu vá junto?
– Sim, se não tiver nada melhor para fazer. – Um minuto mais tarde estávamos ambos num cabriolé, dirigindo-nos furiosamente para Brixton Road.
Era uma manhã nublada e brumosa, e um véu de cor pardacenta cobria o cimo das casas, parecendo o reflexo das ruas lamacentas embaixo. O meu companheiro estava no melhor dos estados de espírito, e tagarelava sobre violinos Cremona e a diferença entre um Stradivarius e um Amati. Quanto a mim, estava calado, pois o tempo feio e o passeio melancólico em que estávamos envolvidos me deprimiam.
– Você não parece estar dando muita atenção ao presente problema – disse por fim, interrompendo a dissertação musical de Holmes.
– Ainda não temos os dados – respondeu. – É um erro capital teorizar antes de ter todas as evidências. Enviesa o julgamento.
– Você logo terá os seus dados – observei, apontando o dedo. – Ali está Brixton Road, e aquela ali é a casa, se não estou enganado.
– Exatamente. Pare, cocheiro, pare! – Ainda estávamos a uns noventa metros da casa, mas ele insistiu em descer naquele ponto, e acabamos nosso percurso a pé.
O número 3 dos Jardins Lauriston tinha um ar aziago e ameaçador. Era uma das quatro casas que ficavam um pouco afastadas da rua, duas estando ocupadas e duas vazias. As últimas se abriam com três fileiras de janelas melancólicas e desabitadas, que eram sombrias e inexpressivas exceto pelo fato de que aqui e ali um cartaz de “Para Alugar” crescera como uma catarata sobre os vidros turvos. Entre cada uma dessas casas e a rua, havia um pequeno jardim salpicado por uma erupção dispersa de plantas doentias e cortado por um caminho estreito, de cor amarelada, que aparentemente consistia numa mistura de barro e cascalho. Todo o lugar estava muito sujo por causa da chuva que caíra durante toda a noite. O jardim era cercado por um muro de tijolos de quase um metro de altura com uma orla de grade de madeira sobre o topo, e contra esse muro estava encostado um policial robusto, rodeado por um pequeno grupo de ociosos, que esticavam os pescoços e forçavam os olhos na esperança vã de vislumbrar o que se passava dentro da casa.
Eu imaginara que Sherlock Holmes correria imediatamente para dentro da casa e mergulharia no estudo do mistério.
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