Quando um homem escreve na parede, seu instinto o leva a escrever mais ou menos na altura de seus olhos. Ora, aquelas letras estavam só um pouco acima de um metro e oitenta. Brincadeira de criança.
– E a sua idade? – perguntei.
– Bem, se um homem pode dar uma passada de quase um metro e meio sem o menor esforço, não pode estar nos seus anos murchos. Essa era a largura de uma poça d’água no caminho do jardim que ele evidentemente atravessou. As botas de verniz contornaram a poça d’água, mas as botas de bico quadrado tinham pulado por cima. Não há nenhum mistério. Estou simplesmente aplicando à vida comum alguns daqueles preceitos de observação e dedução que defendi em meu artigo. Há mais alguma coisa que o intriga?
– As unhas e o charuto Trichinopoly – sugeri.
– As letras na parede foram feitas com o dedo indicador de um homem banhado no sangue. A minha lente me permitiu observar que o reboco foi levemente arranhado na operação, o que não teria acontecido se a unha do homem estivesse cortada. Juntei um pouco das cinzas espalhadas pelo chão. Eram de cor escura e flocosas, como só as cinzas de um Trichinopoly sabem ser. Fiz um estudo especial sobre cinzas de charuto... para falar a verdade, escrevi uma monografia sobre o assunto. Eu me vanglorio de saber distinguir com um olhar as cinzas de qualquer marca conhecida, seja de charuto, seja de tabaco. É nesses detalhes que o detetive talentoso se diferencia do tipo de Gregson e Lestrade.
– E o rosto corado? – perguntei.
– Ah, essa foi uma conjetura mais ousada, embora não tenha dúvida de que estou certo. Mas não deve me perguntar sobre isso nesse momento.
Passei a mão pela testa.
– Minha cabeça está num redemoinho – observei. – Quanto mais se pensa neste caso, mais misterioso ele fica. Como é que esses dois homens (se é que havia dois homens) vieram a entrar numa casa vazia? Que fim levou o cocheiro do carro de aluguel que os trouxe? Como é que um homem conseguiu forçar o outro a tomar veneno? De onde veio o sangue? Qual foi o motivo do crime, já que não houve roubo? Como é que apareceu a aliança feminina? Acima de tudo, por que o segundo homem escreveria a palavra alemã RACHE antes de fugir? Confesso que não vejo nenhum modo possível de conciliar todos esses fatos.
Meu companheiro sorriu aprovadoramente.
– Você expõe as dificuldades da situação de forma clara e sucinta – disse. – Há muita coisa que ainda está obscura, embora já tenha tirado as minhas conclusões sobre os fatos principais. Quanto à descoberta do pobre Lestrade, foi simplesmente um subterfúgio destinado a pôr a polícia numa pista falsa, sugerindo socialismo e sociedades secretas. Não foi escrito por um alemão. Se você observasse bem, a forma do A imita um pouco a letra gótica alemã. Ora, um alemão de verdade invariavelmente usa o caractere latino, de modo que podemos afirmar com segurança que o A não foi escrito por um alemão, mas por um imitador desajeitado que exagerou a sua parte. Era simplesmente um ardil para desviar o inquérito para um canal errado. Não vou lhe dizer muito mais sobre o caso, doutor. Você sabe que um mágico não recebe nenhum crédito depois de ter explicado o seu truque, e se eu ficar lhe mostrando como funciona o meu método de trabalho, você vai chegar à conclusão de que sou afinal um sujeito muito comum.
– Jamais chegarei a essa conclusão – respondi. – Você transformou a atividade do detetive numa ciência quase exata de um modo que jamais será igualado neste mundo.
Meu companheiro ruborizou-se de prazer ao ouvir as minhas palavras e o tom sincero com que as pronunciei. Já observara que ele era sensível a elogios sobre a sua arte, como qualquer garota a respeito de sua beleza.
– Vou lhe dizer outra coisa – falou. – As botas de verniz e as botas de bico quadrado vieram no mesmo carro de aluguel, e cruzaram o caminho juntos da forma mais amistosa possível... de braços dados, provavelmente.
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