Quando lhe fui apresentado, abraçou-me muito estreitamente, delicadeza que teria dispensado. A sua ocupação, desde a sua entrada na academia, consistia em fazer tornar os excrementos humanos à natureza dos alimentos de onde eram tirados pela separação das partes diversas e pela depuração da tintura que o excremento recebe do fel e causa mau cheiro. Entregavam-lhe todas as semanas, da parte da companhia, um prato cheio de matérias, do tamanho quase de um barril de Bristol.
Vi um outro ocupado em calcinar gelo, para extrair dele, consoante dizia, magnífico salitre, do qual faria pólvora para canhão; mostrou-me um tratado concernente à maleabilidade do fogo, tratado que estava com intenção de publicar.
Em seguida, vi um arquiteto muito engenhoso, que imaginara um admirável método para construir casas começando pelo telhado e acabando pelos alicerces, projeto que me justificou magnificamente pelo exemplo de dois insetos: a abelha e a aranha.
Havia um homem, cego de nascença, que tinha sob as suas ordens muitos aprendizes cegos como ele. O seu emprego consistia em compor cores para os pintores. Este professor ensinava a distingui-las pelo tato e pelo cheiro. Fui bastante infeliz em os achar então muito pouco instruídos, e o próprio professor não era mais hábil.
Subi a um aposento, onde se encontrava um grande homem que descobriu o segredo de lavrar a terra com porcos, e poupar assim as rações dos cavalos, dos bois, a charrua e o lavrador. O seu método é este: no espaço de um acre de terreno, enterrava-se, de seis em seis polegadas, certa quantidade de bolotas, de tâmaras, de castanhas e outros frutos que os porcos apreciam; depois largavam-se seiscentos ou mais destes suínos que, com as mãos e o focinho, punham, em muito pouco tempo, a terra em estado de ser semeada e estrumavam-na também, restituindo-lhe o que tinham retirado. Por fatalidade, havendo feito a experiência, e além disso achando o sistema caro e difícil, o campo quase nada produzira. Não duvidava, contudo, de que o invento fosse de grandes conseqüências e de verdadeira utilidade.
Num aposento fronteiro residia um homem que tinha idéias contrárias no tocante ao mesmo assunto. Pretendia fazer marchar uma charrua sem bois e sem cavalos, mas com a ajuda do vento e, para esse efeito, construíra uma charrua com mastro e velas; sustentava que, pelo mesmo processo, faria andar carros e carroças, e que, como conseqüência, se poderia fazer o serviço de posta pondo-lhes velas, tanto por mar como por terra; que, em vista de haver vários ventos no mar, não era difícil fazer a mesma coisa em terra.
Passei a um outro quarto, que estava todo atapetado com teias de aranha, onde mal havia espaço para dar passagem ao operário. Assim que este me viu, exclamou:
— Tome cuidado, não dê cabo das minhas teias!
Conversei com ele e foi-me dizendo que era uma coisa lamentável a cegueira que os homens tinham tido até agora em relação aos bichos da seda, enquanto tinham à sua disposição tantos insetos domésticos, de que não faziam uso algum e que, no entanto, eram preferíveis a essas lagartas, que só sabiam fiar, ao passo que a aranha sabia fiar e tecer. Acrescentou que o uso das teias de aranha pouparia ainda, com a continuação, as despesas da tintura, o que eu conceberia muito facilmente quando me tivesse feito ver um grande número de moscas de encantadoras e variegadas cores, com que ele alimentava as suas aranhas; que era certo que as suas teias tomariam, infalivelmente, a cor daquelas moscas e que, como as havia de numerosas espécies, esperava também ver em breve teias capazes de satisfazer, pelas cores, todos os diversos gostos dos homens, logo que pudesse encontrar um certo alimento suficientemente glutinoso para as suas moscas, a fim de que os fios da aranha adquirissem maior força e solidez.
Vi depois um célebre astrônomo, que tinha imaginado colocar um quadrante na ponta do grande campanário da casa da câmara, ajustando de tal maneira os movimentos diurnos e anuais do sol com o vento, que pudessem concordar com o movimento da ventoinha.
Senti, durante alguns momentos, uma ligeira cólica, quando o meu guia me fez entrar muito a propósito no quarto de um grande médico, que se tornara celebérrimo pelo segredo de curar a cólica de um modo completamente maravilhoso. Tinha um grande fole, cujo tubo era de marfim; era insinuando diversas vezes esse tubo no ânus, que pretendia, por essa espécie de clister de vento, atrair todos os gases interiores e purgar assim as entranhas atacadas de cólica. Fez a sua operação num cão que, por fatalidade, morreu imediatamente, o que desconcertou deveras o nosso doutor e me tirou a vontade de recorrer ao seu remédio.
Depois de ter visitado o edifício das artes, passei a um outro corpo da casa, onde estavam os fatores dos sistemas em relação às ciências. Entramos primeiro na escola de linguagem, onde nos encontramos com três acadêmicos que discutiam juntos o modo de embelezar a língua.
Um deles era de opinião, para abreviar o discurso, que se reduzissem todas as palavras a simples monossílabos e se banissem todos os verbos e particípios.
O outro ia mais longe e propunha um modo de abolir todas as palavras, de maneira que se discutisse sem falar, o que seria favorável ao peito, porque está claro que, à força de falar, os pulmões se gastam e a saúde se altera. O expediente, por ele achado, era trazer cada qual consigo todas as coisas de que quisesse tratar. Este novo sistema, dizia-se, seria seguido, se as mulheres se lhe não tivessem oposto. Muitos espíritos superiores desta academia não deixavam, no entanto, de conformar-se com essa maneira de exprimir as coisas, o que só se tornava embaraçoso quando tinham de falar em diversos assuntos, porque então era-lhes preciso trazer às costas enormes fardos, salvo se eles tivessem dois criados bastante robustos para se pouparem esse trabalho; supunham que, se esse sistema se generalizasse, todas as nações poderiam facilmente compreender-se (o que seria de grande comodidade) pois não se perderia muito tempo em aprender línguas estrangeiras.
Daí, entramos na escola de matemática, cujo professor ensinava aos seus discípulos um método que os europeus teriam trabalho em imaginar: cada teorema, cada demonstração era escrita numa obreia, com uma certa tinta de tintura cefálica. O aluno, em jejum, era obrigado, depois de ter comido essa obreia, a abster-se de beber e de comer durante três dias, de maneira que, digerida a obreia, a tintura cefálica pode subir ao cérebro e levar envolvido nela o teorema ou a demonstração. Este método, de fato, não obtivera grande êxito até agora, mas era porque, ao que se dizia, se tinha enganado um pouco no quantum sufficit, isto é, na medida da dose, ou porque os alunos, maus e indóceis, faziam simplesmente menção de comer a obreia, ou ainda porque iam muito depressa à sentina, ou comiam às escondidas durante os três dias.
Capítulo VI
Continua-se a descrição da academia.
Não fiquei muito satisfeito com a escola de política, que depois visitei. Estes doutores pareceram-me pouco sensatos, e a presença de tais indivíduos teve o efeito de me tornar melancólico. Estes homens extravagantes sustentavam que os grandes deviam escolher para seus favoritos aqueles em que vissem mais sabedoria, mais capacidade, mais virtude, e ter sempre em vista o bem público, recompensar o mérito, o saber, a habilidade e os serviços; diziam ainda que os príncipes deviam depositar sempre a sua confiança nas pessoas mais capazes e mais experimentadas, e outras asneiras e quimeras, de que os príncipes não formaram opinião até agora, o que me confirmou a verdade deste admirável conceito de Cícero: que nada há tão absurdo como o que avança algum filósofo.
Todos os outros membros da academia, porém, em nada se pareciam com estes originais, a quem acabo de aludir. Vi um médico com um espírito sublime, que possuía a fundo a ciência do governo; tinha consagrado os seus serões a descobrir as causas das doenças de um Estado e a achar remédios para curar o mau temperamento daqueles que administram os negócios públicos.
— Sabe-se — dizia ele — que o corpo natural e o corpo político têm entre si uma perfeita analogia, pois qualquer deles pode ser tratado com os mesmos remédios. Os que estão à testa dos negócios têm muitas vezes as seguintes doenças: estão cheios de humores em movimento, que lhes enfraquecem a cabeça e o coração, e causam-lhes algumas vezes convulsões e contrações de nervos na mão direita, uma fome canina, indigestões, gases, delírios e outras espécies de males.
Para os curar, o nosso grande médico propunha que, quando os que superintendem nos negócios do Estado estivessem dispostos a se reunir em conselho, se lhes tomasse o pulso e por isso se tentaria conhecer a natureza da doença; que depois, a primeira vez que se reunissem, se enviariam, momentos antes de principiar a sessão, boticários com remédios adstringentes, paliativos, purgativos, cefalálgicos, histéricos, apofegmáticos, acústicos, etc., consoante ao gênero do mal e repetindo sempre o mesmo remédio em todas as sessões.
A execução deste projeto demandaria grande despesa e seria, segundo penso, muito útil nestes países em que os Parlamentos metem o nariz nos negócios do Estado; procuraria a unanimidade, acabaria com as diferenças, abriria a boca aos mudos, fechá-la-ia aos deputados, acalmaria a impetuosidade dos juvenis senadores, entusiasmaria a frieza dos velhos, despertaria os estúpidos e adormeceria os atabalhoados.
E porque ordinariamente se queixam de que os ministros têm memória curta e infeliz, o mesmo doutor queria que qualquer que tivesse negócios com eles, depois de haver exposto o assunto em poucas palavras, tivesse a liberdade de lhes dar um piparote no nariz, um pontapé na barriga ou espetar um alfinete nas nádegas, e tudo isso com o fim de o impedir de esquecer-se do negócio de que lhe falara; de maneira que se pudesse repetir de tempos a tempos o mesmo cumprimento até que o assunto fosse despachado, deferido ou indeferido, por completo.
Queria também que cada senador, na assembléia geral da nação, depois de haver dado a sua opinião e ter dito tudo quanto seria necessário para a manter, fosse obrigado a concluir a proposta contraditória, porque, infalivelmente, o resultado dessas assembléias seria muito favorável ao bem público.
Vi dois acadêmicos a discutir com calor o meio de criar impostos sem que os povos murmurassem. Um, sustentava que o melhor método seria impor uma taxa sobre os vícios e as paixões dos homens, e que cada um seria coletado segundo o juízo e a estima dos seus vizinhos. O outro acadêmico era de um sentimento inteiramente oposto e pretendia, pelo contrário, que era preciso coletar as belas qualidades de corpo e de espírito de que cada um se orgulhava, e coletá-lo mais ou menos segundo os seus graus, de maneira que seriam os seus próprios juízes e fariam a sua declaração. A maior taxa seria imposta sobre os cultores de Vênus, os favoritos do belo sexo, proporcionalmente aos favores que tivessem recebido, e devia reportar-se ainda, sobre este assunto, à sua própria declaração. Era preciso também coletar fortemente o espírito e o valor, segundo a confissão que cada um fizesse das suas qualidades; mas com respeito à honra, probidade, saber, modéstia, isentavam-se essas qualidades de qualquer taxa, visto que, sendo muito raras, não dariam lucro algum; que não se encontraria ninguém que não quisesse confessar que as encontrava no seu próximo e que quase ninguém teria o arrojo de as atribuir a si próprio.
Do mesmo modo se deviam coletar as senhoras em proporção da sua beleza, dos seus atrativos e das suas graças, conforme ao seu próprio juízo, como o que se fazia com relação aos homens; mas pela fidelidade, sinceridade, bom senso e bondade natural das mulheres, visto que disso não se ufanam, nada deviam pagar, pois tudo o que pudesse receber-se daí não bastaria para cobrir as despesas do governo.
A fim de reter os senadores no interesse da coroa, um outro acadêmico político era de opinião ser necessário que o príncipe fizesse jogar todos os empregos em rifas, de maneira, contudo, que os senadores, antes de jogarem, fizessem juramento e dessem caução de que se conformariam em seguida, conforme às intenções da corte, quer ganhassem ou não; porém que os recusados teriam depois o direito de ocupar qualquer lugar vago que houvesse mais tarde. Estariam sempre cheios de esperanças, não se queixariam de falsas promessas que lhes seriam dadas e só confiariam na fortuna, cujos ombros são sempre mais fortes do que os do ministério.
Um outro acadêmico mostrou-me um escrito contendo um curioso método para descobrir as conspirações e as intrigas, que era examinar os alimentos dos indivíduos suspeitos, a ocasião em que os comem, o lado para o qual se deitam na cama e a mão com que limpam o traseiro; observar-lhes os excrementos e ajuizar, pelo cheiro e pela cor, dos pensamentos e dos projetos de um homem, tanto mais que, na sua opinião, os pensamentos não são nunca mais ponderados, nem o espírito se encontra tão recolhido, como quando se está no retrete.
Ajuntava que, quando, para fazer simplesmente experiências, havia algumas vezes pensado no assassínio de um homem, tinha então encontrado os seus excrementos muito amarelos e que, quando pensava em revoltar-se e incendiar a capital, achara-os de uma cor muito negra.
Arrisquei-me a acrescentar algumas palavras ao sistema desse político; disse-lhe que seria bom manter sempre um núcleo de espiões e delatores que se protegeriam e aos quais se daria sempre uma certa importância em dinheiro proporcional ao valor da sua denúncia, quer fundada, quer não; que, por esse meio, os súditos viveriam no receio e no respeito; que esses delatores e acusadores seriam autorizados a dar o sentido que lhes aprouvesse aos escritos que lhes caíssem nas mãos; que poderiam, por exemplo, interpretar assim os termos seguintes: Um crivo: uma alta dama da corte.
Um cão coxo: uma descida, uma invasão.
A peste: um exército em pé de guerra.
Um bolônio: um favorito.
A gota: um grão-sacerdote.
Um pinico: uma assembléia.
Uma vassoura: uma revolução.
Uma ratoeira: um emprego financeiro.
Um esgoto: a corte.
Um chapéu e um cinto: uma amante.
Uma cana partida: o tribunal.
Um tonel vazio: um general.
Uma chaga aberta: o estado dos negócios públicos.
Poder-se-ia ainda observar o anagrama de todos os nomes citados num escrito; para isso, porém, eram necessários homens da mais elevada penetração e do gênio mais sublime, principalmente quando se tratasse de descobrir o sentido político e misterioso das letras iniciais. Assim: N poderia significar uma conspiração; B um regimento de cavalaria; L uma esquadra.
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