Separado da esposa, Luísa Midosi, apaixonou-se por Adelaide Deville, que morreu em 1841, e com ela teve uma filha, Maria Adelaide. A partir de 1846, passou a viver com a Viscondessa da Luz, Rosa Montufar Infante, musa das Folhas caídas, obra que causou grande escândalo quando publicada.

Voltando à sua atividade política, foi eleito, em 1852, novamente deputado e foi, por pouquíssimo tempo, ministro dos Negócios Estrangeiros, quando deixou o governo regenerador. A sua última intervenção no Parlamento foi em março de 1854 em um fulminante ataque ao governo do liberal Rodrigo de Fonseca Magalhães.

Dedicou-se, então, à escrita, iniciando um novo romance, Helena, que não chegou a concluir, pois, em 9 de dezembro de 1854, morreu de câncer.

A obra: a construção da nova literatura

A introdução da nova literatura – com o poema “Camões” – foi uma revolução comparável, pelas consequências radicais e pela ruptura com o passado, à revolução de 1832-1840. Em “Nota ao Conservatório”, comentário que escreve e publica com o auto Frei Luís de Sousa, afirmava o escritor: “A escola romântica foi tão manifesta reação contra os vícios e abusos ultraclássicos, tão e tal perfeita como o liberalismo contra a corrupta monarquia feudal”.

Não há, entretanto, naquele momento, como exaltar os valores do presente português. Nesse sentido, o primeiro Romantismo é marcado por uma espécie de revolta contra o estado de coisas do presente e, ao mesmo tempo, por uma atitude escapista que coloca nas mãos de Deus a possibilidade de resolver a prepotência, a desigualdade e as grandes injustiças sociais. Na verdade, era projeto garrettiano e de Alexandre Herculano “criar” uma cultura nacional baseada em premissas históricas passadas, que se revelasse como herdeira das melhores tradições do país. Uma literatura portuguesa nova, de regresso às tradições, com o que de melhor caracterizasse o povo luso.

Viagens na minha Terra constitui verdadeiras impressões de viagem e digressões de toda a ordem, bem dentro do modelo estabelecido por Sterne e Maistre, uma vez que misturam-se, na obra, a viagem real que Garrett fez de Lisboa a Santarém, e a narração novelesca em torno de Carlos, Frei Dinis e Joaninha. É como Almeida Garrett desvenda a situação política e social de Portugal, colocando frente a frente o Frei Dinis, representante do velho Portugal, absolutista, e Carlos, representante da renovação e do liberalismo. O fracasso de Carlos é, nesse sentido, o do país que acabava de sair da guerra civil entre miguelistas e liberais e que dava os primeiros passos na modernização. É também através do conflito íntimo de Carlos – incapaz de fidelidade, uma vez que se apaixona intensamente por várias mulheres – que Garrett faz uma análise rigorosa do que há de convencional, verdadeiro e falso na vida sentimental, cuja consequência é uma espécie de remorso marcado pelo ceticismo. Carlos não crê no amor, como não crê na revolução política, onde o poder do Frade é substituído pelo do Barão capitalista. Aliás, Garrett, o poeta, como Carlos, também é um homem fatal, perseguido pelo remorso e, simultaneamente, vítima da mulher fatal, bem na linhagem de Musset e Byron.

Pode-se pensar que foi a partir dos vintistas que a liberdade entrou na história e na literatura portuguesa de que Almeida Garrett é expressão. Aí, o sangue português, o sensualismo, o amor e uma certa paixão ingênua e espiritual da aventura e da cavalaria tornam-se eixos da obra garrettiana, num estilo voltado para a linguagem falada. É como, enfim, inicia com Viagens na minha Terra a moderna prosa portuguesa, e assina, definitivamente, seu nome – Almeida Garrett – como um renovador da literatura, sua marca na história da literatura lusa.






[1]. É doutora em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pós-doutora pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Leciona Literatura Portuguesa e Luso-Africana na UFRGS. Organizou diversos volumes de poesia portuguesa e é autora de vários livros de ficção. (N.E.)

Qu’il est glorieux d’ouvrir une nouvelle carrière, et de paraitre tout-à-coup dans le monde savant un livre de découvertes à la main, comme une cométe inattendue étincelle dans l’espace![1]

X. de Maistre






[1]. Como é glorioso iniciar uma nova carreira e apresentar-se de repente ao mundo culto, um livro de descobertas na mão, como um cometa inesperado que cintila no espaço!

Capítulo I

De como o autor deste erudito livro se resolveu a viajar na sua terra, depois de ter viajado no seu quarto; e como resolveu imortalizar-se escrevendo estas suas viagens. Parte para Santarém. Chega ao Terreiro do Paço, embarca no vapor de Vila Nova; e o que aí lhe sucede. A Dedução Cronológica e a Baixa de Lisboa. Lorde Byron e um bom charuto. Travam-se de razões os Ílhavos e os Bordas-d’Água: os da calça larga levam a melhor.

Que viaje à roda do seu quarto quem está à beira dos Alpes[1], de inverno, em Turim, que é quase tão frio como S. Petersburgo − entende-se. Mas com este clima, com esse ar que Deus nos deu, onde a laranjeira cresce na horta, e o mato é de murta, o próprio Xavier de Maistre, que aqui escrevesse, ao menos ia até o quintal.

Eu muitas vezes, nestas sufocadas noites de estio, viajo até a minha janela para ver uma nesguita de Tejo que está no fim da rua, e me enganar com uns verdes de árvores que ali vegetam sua laboriosa infância nos entulhos do Cais do Sodré. E nunca escrevi estas minhas viagens nem as suas impressões: pois tinham muito que ver! Foi sempre ambiciosa a minha pena: pobre e soberba, quer assunto mais largo. Pois hei de dar-lho. Vou nada menos que a Santarém: e protesto que de quanto vir e ouvir, de quanto eu pensar e sentir se há de fazer crônica.

Era uma ideia vaga; mais desejo que tenção, que eu tinha há muito de ir conhecer as ricas várzeas desse Ribatejo, e saudar em seu alto cume a mais histórica e monumental das nossas vilas. Abalam-me as instâncias de um amigo, decidem-me as tonteiras de um jornal, que por mexeriquice quis encabeçar em desígnio político determinado a minha visita.[2]

Pois por isso mesmo vou: pronunciei-me.

São 17 deste mês de julho, ano da graça de 1843, uma segunda-feira, dia sem nota e de boa estreia.