(...) As mais simples são cobertas com esteiras que eles fazem com uma espécie de junco, e também são igualmente firmes e quentes, mas não tão boas quanto as primeiras. (...) Algumas que eu vi têm de vinte a trinta metros de comprimento e dez de largura. (...) Muitas vezes me hospedei nas tendas deles, e achei tão quentes quanto as melhores casas inglesas”. Ele acrescenta que geralmente eram forradas por dentro e no chão com esteiras bem trançadas e bordadas, e tinham vários utensílios. Os índios chegavam a regular a entrada do vento com uma esteira pendurada sobre o orifício no teto e acionada por um cordel. No primeiro caso, levava um, no máximo dois dias para erguer uma tenda daquelas, a qual podia ser desmontada e embalada em poucas horas; e todas as famílias tinham uma tenda ou um espaço dentro de uma delas.

No estado selvagem, toda família possui um bom abrigo, e suficiente para suas necessidades mais simples e rústicas; mas acho que não é exagero dizer que, se as aves do ar têm seus ninhos, as raposas suas tocas e os selvagens suas tendas, na sociedade civilizada moderna só metade das famílias possui um abrigo. Nas vilas grandes e nas cidades, onde predomina especialmente a civilização, a quantidade dos que têm abrigo próprio é uma parcela muito pequena do total. Os restantes pagam por essa roupa mais externa de todas, que se tornou indispensável no verão e no inverno, uma taxa anual que daria para comprar uma aldeia inteira de tendas índias, mas que agora contribui para mantê-los na pobreza durante a vida toda. Não quero insistir na desvantagem de alugar em comparação a possuir, mas é evidente que o selvagem possui seu abrigo porque custa pouco, ao passo que o homem civilizado normalmente aluga o seu porque não pode possuí-lo; e com o tempo nem vai mais conseguir alugar. Mas, responde alguém, simplesmente pagando essa taxa o civilizado pobre pode morar numa casa que é um palácio em comparação à do selvagem. Um aluguel anual de 25 a 100 dólares, tais são os preços da região, permite-lhe gozar das melhorias dos séculos, aposentos amplos, pintura e papel claro nas paredes, uma lareira Rumford, paredes reforçadas com argamassa, venezianas, encanamento de cobre, fechos de mola, um porão espaçoso e outras coisas mais. Mas como é que este homem, que dizem gozar dessas coisas, geralmente é um civilizado pobre, enquanto o selvagem, que não dispõe delas, é rico em sua condição de selvagem? Quando afirmam que a civilização é um verdadeiro avanço na condição do homem – e penso que é, embora só os sábios aproveitem suas vantagens –, precisam demonstrar que ela criou moradias melhores sem serem mais caras; e o custo de uma coisa é a quantidade do que chamo de vida que é preciso dar em troca, à vista ou a prazo. Uma casa média aqui nas redondezas custa cerca de uns 800 dólares, e juntar esse dinheiro leva de dez a quinze anos da vida do trabalhador, mesmo que ele não tenha que sustentar uma família – calculando em 1 dólar o valor monetário da diária de um homem, pois, se alguns ganham mais, outros ganham menos –, de modo que ele terá de gastar, geralmente, mais da metade da vida antes de poder ter uma tenda própria. Supondo que, em vez de comprar, ele pague aluguel, continua a ser uma difícil escolha entre dois males. Seria sábio da parte do selvagem trocar sua tenda por um palácio nesses termos?

Pode-se supor que estou reduzindo praticamente toda a vantagem de possuir essa propriedade supérflua a uma reserva para o futuro do indivíduo, principalmente para pagar as despesas de seu funeral. Mas talvez não se exija de um homem que ele enterre a si mesmo. De qualquer forma, isso indica uma diferença importante entre o civilizado e o selvagem; e sem dúvida, quando se transforma a vida de um povo civilizado numa instituição, que absorve tanto a vida do indivíduo para preservar e aprimorar a vida da raça, a intenção é por nosso bem. Mas quero mostrar a que sacrifício se obtém hoje essa vantagem, e sugerir que poderíamos viver com todas as vantagens sem nenhuma das desvantagens. O que quereis dizer ao afirmar que pobres sempre tereis convosco, ou que os pais comeram as uvas verdes e os filhos ficaram com os dentes embotados?

“Tão certo como eu vivo”, diz o Senhor Deus, “jamais direis este provérbio em Israel.”

“Eis que todas as almas são minhas; como a alma do pai, também a alma do filho é minha; a alma que pecar, esta morrerá.”

Quando olho meus vizinhos, os agricultores de Concord, que vivem pelo menos tão bem quanto as outras classes, vejo que na maioria labutam vinte, trinta ou quarenta anos até se tornarem os verdadeiros donos de suas terras, que usualmente herdaram com dívidas ou compraram com dinheiro emprestado – e podemos calcular um terço desse preço como o custo de suas casas –, mas geralmente ainda não acabaram de pagar. É verdade que os encargos às vezes são mais altos do que o valor do sítio, e assim o próprio sítio se torna um grande encargo, que ainda por cima um homem tem que herdar, pois diz que já está acostumado a ele. Perguntando aos funcionários da coletoria, fico surpreso ao ver que não conseguem citar uma dúzia de pessoas na cidade que tenham sítios sem dívidas. Se vocês quiserem saber a história desses terrenos rurais, perguntem no banco onde estão hipotecados. É tão raro o sujeito que realmente pagou o sítio com seu trabalho que qualquer vizinho pode apontá-lo com o dedo. Duvido que haja três deles em Concord. O que se fala dos comerciantes, que uma enorme maioria, chegando a 97% deles, certamente vai falir, também ocorre com os agricultores. Mas, quanto aos comerciantes, um deles diz a esse respeito que grande parte das falências não são verdadeiras falências financeiras, mas apenas falências na hora de honrar os compromissos, porque é uma coisa inconveniente; ou seja, o que vai à falência é a moral. Mas isso dá um aspecto infinitamente pior à questão, e sugere, ademais, que provavelmente nem mesmo os outros três por cento conseguem salvar a alma, e estão falidos num sentido pior do que aqueles que vão honestamente à falência. A falência e o não reconhecimento de uma dívida são os trampolins de onde boa parte de nossa civilização dá seus saltos e vira suas cambalhotas, enquanto o selvagem se mantém de pé na prancha firme da fome. E no entanto todos os anos a Exposição de Gado do Middlesex se realiza com grande ostentação, como se todas as engrenagens da máquina agrícola estivessem funcionando bem.

O agricultor se debate para resolver o problema da subsistência com uma fórmula mais complicada do que o próprio problema. Para conseguir um cadarço de sapato, ele especula com rebanhos inteiros de gado.