O próprio orvalho parecia se demorar suspenso nas árvores por mais tempo do que o usual, como nas faldas das montanhas.
Este pequeno lago era um vizinho de imenso valor nos intervalos entre as breves pancadas de chuva de agosto, quando, estando o ar e a água absolutamente imóveis, mas o céu carregado, a tarde tinha toda a serenidade da noite e o tordo-do-bosque cantava ao redor, fazendo-se ouvir de uma margem à outra. É nessa época que um lago assim fica mais liso; e, o ar límpido acima dele sendo apenas uma faixa estreita e sombreada de nuvens, a própria água, cheia de luzes e reflexos, torna-se ela mesma um céu aqui embaixo e por isso tanto mais importante. Do alto de uma colina próxima, onde a mata fora derrubada pouco tempo antes, tinha-se uma agradável vista do sul, além do lago, por um largo espaço entre as colinas que formam a margem de lá, onde as faldas opostas se enviesando entre si sugeriam um rio correndo por aquela direção, atravessando um vale de arvoredos, mas não havia rio algum. Naquele lado, eu via por entre e por sobre os morros verdes próximos outros morros mais altos e distantes no horizonte, tingidos de azul. De fato, ficando na ponta dos pés, eu conseguia vislumbrar alguns picos de cordilheiras ainda mais azuis e mais distantes a noroeste, moedas daquele legítimo azul cunhado pelo próprio céu, e também uma parte da cidade. Mas em outras direções, mesmo deste ponto, eu não conseguia enxergar além ou acima das matas que me rodeavam. É bom ter um pouco de água por perto, para dar leveza e flutuação à terra. Um mérito mesmo da mais minúscula nascente é que, olhando dentro dela, você vê que a terra não é um continente, e sim uma ilha. É algo tão importante quanto manter a manteiga fresca. Quando eu olhava além do lago, aqui deste pico para as várzeas de Sudbury, as quais na época da cheia pareciam, talvez por uma miragem, elevar-se no vale inundado como moedas numa bacia, toda a terra além do lago aparecia como a fina crosta de uma ilha, que se soerguia devido a esse pequeno lençol de água estendendo-se entre elas, e isso me lembrava que aqui onde eu morava era terra firme.
Embora a vista de minha porta fosse ainda mais reduzida, eu não me sentia minimamente cercado ou confinado. Havia pasto suficiente para minha imaginação. O baixo platô com arbustos de carvalho, formado pela outra margem, estendia-se para as pradarias do Oeste e as estepes da Tartária, oferecendo um amplo espaço para todas as famílias nômades da humanidade. “Os únicos seres felizes no mundo são os que gozam livremente de um vasto horizonte”, dizia Damodara quando seus rebanhos exigiam pastos novos e maiores.
O tempo e o espaço haviam mudado, e eu morava mais perto daqueles lugares do universo e daquelas épocas da história que mais tinham me atraído. Onde eu vivia era remoto como muitas regiões vistas à noite pelos astrônomos. Costumamos imaginar lugares raros e maravilhosos em algum canto mais celestial e longínquo do sistema, para além da constelação da Cassiopeia, longe do barulho e da agitação. Descobri que minha casa realmente tinha seu lugar nessa parte tão retirada, mas sempre nova e inviolada, do universo. Se valesse a pena se instalar naquelas paragens perto das Plêiades ou das Híades, de Aldebarã ou de Altair, realmente era lá que eu estava, ou pelo menos a uma igual distância da vida que deixara para trás, tremeluzindo diminuto com um raio de luz, tão delgado como o delas, para meu vizinho mais próximo, que o veria apenas nas noites sem luar. Tal era o lugar da criação de que me fiz posseiro:
“Existia um pastor com uma vida
E pensamentos tão altos
Como os montes onde, apascentando,
Seus rebanhos o apascentavam.”
[“There was a shepherd that did live,
And held his thoughts as high
As were the mounts whereon his flocks
Did hourly feed him by.”]
O que pensaríamos da vida do pastor se seus rebanhos sempre subissem para pastos mais altos do que seus pensamentos?
Cada manhã era um alegre convite para viver minha vida com a mesma simplicidade e, diria eu, inocência da própria Natureza. Eu era um adorador da Aurora tão sincero quanto os gregos. Levantava cedo e me banhava no lago; era um exercício religioso, e uma das melhores coisas que fazia. Dizem que a banheira do rei Tching-Thang trazia caracteres gravados a esse respeito: “Renova-te totalmente a cada dia; renova-te sempre”. Posso entender isso. A manhã traz de volta os tempos heroicos. O débil zumbido de um mosquito fazendo seu invisível e inimaginável percurso por meus aposentos nas primeiras horas do amanhecer, quando estava sentado com a porta e as janelas abertas, atingia-me tanto quanto me atingiria qualquer trombeta que algum dia cantou a fama. Era o réquiem de Homero; ele mesmo uma Ilíada e Odisseia no ar, cantando suas iras e andanças. Havia algo de cósmico nele; um anúncio corrido, até segundo aviso, do imorredouro vigor e fertilidade do mundo. A manhã, que é a parte mais memorável do dia, é a hora do despertar. É quando temos menos sonolência; e durante uma hora, no mínimo, desperta em nós uma parte que dormita o resto do dia e da noite. Pouco se pode esperar do dia, se é que pode ser chamado de dia, para o qual não somos despertados por nosso Gênio, mas pelas cutucadas mecânicas de algum criado, não somos despertados interiormente por nossas aspirações e forças recém-adquiridas, acompanhadas pelas ondulações de uma música celestial, em vez dos apitos da fábrica, e um perfume preenchendo o ar – para uma vida mais elevada do que a anterior ao nosso sono; e assim a escuridão frutifica e se revela boa, tanto quanto a luz. O homem que não acredita que cada dia encerra uma hora mais matutina, mais sagrada e mais radiosa do que a que já profanou, este desesperou da vida e desce por uma senda cada vez mais escura.
1 comment