Vemos que os gatos e os cachorros também adquirem essa segunda natureza. Com Abrigo e Roupa adequada conservamos legitimamente nosso calor interno; mas não será correto dizer que foi com um excesso deles, ou de Combustível, isto é, com um calor externo maior do que o nosso interno, que propriamente se iniciou o cozimento? Darwin, o naturalista, falando dos habitantes da Terra do Fogo, conta que seu grupo, bem agasalhado e sentado perto de uma fogueira, ainda se sentia enfriorado, enquanto os selvagens nus, mais ao longe, estavam, para a grande surpresa dele, “escorrendo de suor ao enfrentar aquele calor tão tórrido”. Assim, pelo que nos dizem, o habitante da Nova Holanda anda nu impunemente, ao passo que o europeu tirita de frio em suas roupas. Será impossível juntar a resistência desses selvagens à intelectualidade do homem civilizado? Segundo Liebig, o corpo do homem é uma fornalha, e o alimento é o combustível que mantém a combustão interna nos pulmões. No frio comemos mais, no calor comemos menos. O calor animal é o resultado de uma combustão lenta, e a doença e a morte sobrevêm quando ela é rápida demais; por falta de combustível ou por algum defeito na ventilação, o fogo se apaga. É claro que não se pode confundir o calor vital com o fogo; é apenas uma analogia. Da lista acima, portanto, parece que a expressão vida animal é quase sinônimo da expressão calor animal; pois, embora o Alimento possa ser visto como o Combustível que mantém o fogo aceso dentro de nós – e o Combustível serve apenas para preparar esse Alimento ou para aquecer mais nossos corpos por acréscimo externo –, o Abrigo e a Roupa também servem apenas para manter o calor assim gerado e absorvido.
A grande necessidade para nosso corpo, então, é se manter aquecido, é manter o calor vital dentro de nós. E quanto trabalho temos em atender a ela, não só com Alimento, Roupa e Abrigo, mas também com nossas camas, que são nossas roupas noturnas, saqueando os ninhos e depenando o peito das aves para preparar este abrigo dentro do abrigo, como a toupeira que faz sua cama de capim e folhas no fundo da toca! O pobre costuma reclamar que o mundo é frio; e é ao frio, físico e social, que atribuímos diretamente uma grande parte de nossos males. O verão, em alguns climas, permite que o homem tenha uma espécie de vida idílica. Então o Combustível é desnecessário, exceto para cozer o Alimento; seu fogo é o sol, e muitas frutas já estão suficientemente cozidas sob seus raios; ao passo que o Alimento é em geral mais variado e mais fácil de se obter, e há pouca ou nenhuma necessidade de Roupa e Abrigo. Hoje em dia, e neste país, como sei por experiência própria, as coisas necessárias à vida praticamente se resumem a umas poucas ferramentas, uma faca, um machado, uma pá, um carrinho de mão etc., e para o estudioso uma lâmpada, material de escrita e acesso a uns poucos livros, e tudo isso pode ser obtido a um custo irrisório. No entanto, existem aqueles, sem siso, que vão para o outro extremo do mundo, para regiões bárbaras e insalubres, e se dedicam ao comércio por dez ou vinte anos, para só depois poder viver – isto é, se manter confortavelmente aquecidos – e então morrer na Nova Inglaterra. Os homens com muita riqueza e luxo se mantêm não apenas confortavelmente aquecidos, e sim tremendamente acalorados; como sugeri antes, ficam cozidos, claro que à la mode.
Não só a maioria dos luxos e muitos dos ditos confortos da vida não são indispensáveis, como são francos obstáculos à elevação da humanidade. Quanto a luxos e confortos, os mais sábios sempre levaram uma vida mais simples e frugal do que os pobres. Os filósofos antigos, chineses, hindus, persas e gregos, formavam uma classe jamais igualada em sua ausência de riquezas exteriores e abundância de riquezas interiores. Não sabemos muito sobre eles. Aliás, surpreende que nós saibamos tanto sobre eles. O mesmo vale para os reformadores e benfeitores mais modernos de suas raças. Ninguém pode ser um observador imparcial ou sábio da vida humana a não ser da perspectiva que nós deveríamos chamar de pobreza voluntária. O fruto de uma vida de luxo é o luxo, seja na agricultura, no comércio, na literatura ou na arte. Atualmente existem professores de filosofia, mas não filósofos. Mesmo assim é admirável professar, pois um dia foi admirável viver. Ser filósofo não é simplesmente ter pensamentos sutis, nem mesmo fundar uma escola, mas amar a sabedoria a ponto de viver de acordo com seus ditames, uma vida de simplicidade, independência, generosidade e confiança. É resolver alguns problemas da vida, não apenas teoricamente, e sim na prática. O sucesso de grandes eruditos e pensadores geralmente é um sucesso de cortesão, não de rei, não de homem. Empenham-se em viver em mera conformidade, praticamente como fizeram seus pais, e não são, em nenhum sentido, progenitores de uma raça mais nobre de homens. Mas por que os homens sempre degeneram? O que faz as famílias se acabarem? Qual é a natureza do luxo que enfraquece e destrói nações? Temos plena certeza de que nossa vida não guarda nenhum luxo? O filósofo está à frente de seu tempo também na forma exterior de sua vida. Ele não se alimenta, não se abriga, não se veste, não se aquece como seus contemporâneos. Como um homem pode ser filósofo sem manter seu calor vital com métodos melhores do que os dos outros homens?
Quando um homem se aquece das várias maneiras que descrevi, o que ele vai querer a seguir? Decerto não mais o mesmo tipo de aquecimento, nem alimentos mais ricos e mais abundantes, casas maiores e mais esplêndidas, roupas mais finas e variadas, fogos mais numerosos, incessantes e escaldantes, e coisas assim.
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