Quando as cadeiras se quebram e os lençóis de linho se gastam com o uso. Mas aqui, não. Todas as noites, quando me deito, encontro a minha cama ainda mais nova, mais reluzente, como se acabasse de ser trazida da cidade.
JOÃO — Tu mesma reconheces que tenho razão de queixar-me. Que tenho motivos para estar alerta.
YERMA — Alerta? Por quê? Em nada te ofendo. Vivo submissa a ti, e o que sofro, guardo pregado à minha carne. E cada dia que passa será pior. Não falemos nisso. Saberei levar a minha cruz como melhor puder, mas não me perguntes nada. Se pudesse, de repente, ficar velha e ter a boca como uma flor esmagada, poderia sorrir e ir levando a vida contigo. Agora, agora — deixa-me com os pregos da minha cruz.
JOÃO — Falas de um modo que não te entendo. Não te privo de nada. Mando buscar às aldeias vizinhas as coisas de que gostas. Eu tenho os meus defeitos, mas quero ter paz e sossego, contigo. Quero dormir fora e pensar que estás dormindo também.
YERMA — Mas eu não durmo, eu não posso dormir.
JOÃO — Falta-te alguma coisa? Dize-me. Responde!
YERMA — (Com intenção e fitando firmemente o marido) — Sim, falta-me. (Pausa)
JOÃO — Sempre a mesma coisa. Já faz mais de cinco anos. Já estou quase esquecendo.
YERMA — Mas tu és tu, e eu sou eu. Os homens têm outra vida; o gado, as árvores, as conversas; e nós mulheres, não temos mais que a cria e o cuidado da cria.
JOÃO — Nem todos são iguais. Por que não trazes um filho de teu irmão para criar? Eu não me oponho.
YERMA — Não quero cuidar de filhos dos outros. Imagino que se me vão gelar os braços, de sustê-los.
JOÃO — Por causa disso vives aloucada, sem pensar no que devias, e empenhada em dar com a cabeça numa pedra.
YERMA — Pedra que é uma infâmia que seja pedra, porque devia ser uma cesta de flores e água fresca.
JOÃO — Estando a teu lado, não se sente senão inquietude, desassossego. Em último caso, deves resignar-te.
YERMA — Eu vim ter entre estas quatro paredes para não me resignar. Quando tiver a cabeça atada com um lenço, para que não se me abra a boca, e as mãos bem amarradas dentro do ataúde, nessa hora estarei resignada.
JOÃO — Então, que queres fazer?
YERMA — Quero beber água e não há copo nem água; quero subir no monte e não tenho pés; quero bordar as minhas anáguas e não encontro os fios.
JOÃO — O que se passa é que tu não és uma mulher verdadeira, e buscas a ruína de um homem sem vontade.
YERMA — Não sei quem sou. Deixa-me andar e desafogar. Nunca te faltei em nada.
JOÃO — Não gosto que o povo me aponte. Por isso, quero ver fechada esta porta, e cada um na sua casa. (Entra a primeira Irmã, lentamente, e aproxima-se de um armário)
YERMA — Falar com as pessoas não é pecado.
JOÃO — Mas pode parecer. (Entra a outra Irmã, e dirige-se aos cântaros, nos quais enche uma jarra)
JOÃO — (Baixando a voz) — Eu não tenho força para estas coisas. Quando vierem conversar contigo, fecha a boca; e lembra-te de que és uma mulher casada.
YERMA — (Com assombro) — Casada!
JOÃO — E que as famílias têm honra, e a honra é uma carga que todos carregam juntos (Aparece a Irmã com a jarra, lentamente) — Mas que está escondida e fraca nos próprios canos do sangue. (Aparece a outra Irmã carregando uma terrina de modo quase processional.
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