Não o quero, não o quero, e, no entanto, é a minha única salvação. Por honra e por casta. Minha única salvação.
1ª VELHA — (Com medo) — Vai começar a amanhecer. Deves ir para casa.
DOLORES — Não tardam a sair os rebanhos e não convém que te vejam sozinha.
YERMA — Necessitava deste desabafo. Quantas vezes devo repetir as orações?
DOLORES — A do loureiro, duas vezes; e, ao meio-dia, a oração de Santana. Quando te sentires prenhe, trazes a fanga de trigo que me prometeste.
1ª VELHA — Por cima dos montes já começa a clarear. Vai-te embora.
DOLORES — Como daqui a pouco começarão a abrir os portões, vai fazendo um rodeio pela acéquia.
YERMA — (Com desalento) — Não sei por que vim!
DOLORES — Estás arrependida?
YERMA — Não.
DOLORES — (Perturbada) — Se tens medo, acompanho-te até à esquina.
1ª VELHA — (Com inquietação) — Já será dia claro, quando chegares à tua porta. (Ouvem-se vozes)
DOLORES — Cala-te! (Escutam)
1ª VELHA — Não é ninguém. Vai com Deus. (Yerma dirige-se para a porta, e nesse momento chamam-na. As três mulheres ficam paradas)
DOLORES — Quem é?
VOZ — Sou eu.
YERMA — Abre. (Dolores duvida) — Abres ou não? (Ouvem-se murmúrios. Aparece João com as duas Cunhadas)
2ª CUNHADA — Aqui está.
YERMA — Aqui estou.
JOÃO — Que fazes neste lugar? Se pudesse gritar, levantaria toda a aldeia, para que vissem por onde anda a honra da minha casa: mas hei de afogar tudo, e calar-me porque és minha mulher.
YERMA — Se pudesse gritar, também gritaria, para que levantassem até os mortos e vissem esta limpeza que me cobre.
JOÃO — Não, isso não. Aguento tudo, menos isso. Tu me enganas, me enredas, e como sou um homem que trabalha a terra, não tenho cabeça para as tuas astúcias.
DOLORES — João!
JOÃO — Calai-vos! Nem uma palavra!
DOLORES — (Forte) — Tua mulher não fez nada de mal.
JOÃO — Desde o próprio dia da boda que o está fazendo. Mirando-me com duas agulhas, passando as noites em claro, com os olhos abertos, a meu lado, e enchendo de maus suspiros os meus travesseiros.
YERMA — Cala-te!
JOÃO — E eu não posso mais. Porque é preciso ser de bronze para ver-se ao lado de uma mulher que te quer enterrar os dedos no coração; e que de noite sai de sua casa, em busca de quê? Dize-me! Procurando o quê? As ruas estão cheias de machos. Nas ruas não há flores para cortar.
YERMA — Não te deixo falar nem mais uma palavra. Nem mais uma. Imaginas tu, e tua gente, que sois os únicos a guardar honra; e não sabes que a minha casta não teve nunca nada que ocultar. Anda. Chega perto de mim e cheira os meus vestidos: vem! Vê se encontras um cheiro que não seja o teu, que não seja o do teu corpo. Põe-me nua no meio da praça e cospe-me. Faz comigo o que quiseres, já que sou tua mulher; mas livra-te de pôr nome de homem em cima dos meus peitos!
JOÃO — Não sou eu quem o põe: és tu, com a tua conduta. E o povo começa a dizê-lo. Começa a dizê-lo claramente. Quando chego a uma roda, todos se calam; quando vou pesar a farinha, todos se calam; e até de noite, no campo, quando desperto, parece-me que também se calam as ramas das árvores.
YERMA — Não sei como se levantam os maus ventos que revolvem o trigo! E dize-me se o trigo não é bom!
JOÃO — E eu não sei o que busca uma mulher a toda hora fora de casa.
YERMA — (Num arranco, abraçando-se ao marido) — Busco-te a ti. Busco-te a ti, — é a ti que busco dia e noite, sem encontrar sombra onde respirar. É teu sangue e teu amparo o que desejo.
JOÃO — Afasta-te!
YERMA — Não me afastes, e une ao meu o teu querer!
JOÃO — Deixa-te disso!
YERMA — Olha que fico só. Como se a lua se procurasse a si mesma pelo céu.
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