Em seguida, sabre embaixo do braço, saltou da drojki o major corpulento. Para fora do bon voyage, lançaram-se depois os esbeltos tenentes e o sargento que eles carregavam no colo e, por fim, desceram de seus cavalos os imponentes oficiais.

— O senhor não está em casa — disse um lacaio, aparecendo no terraço da entrada.

— Mas como não está? Mas deve estar para o almoço, não?

— De modo algum. Estará fora o dia todo. Talvez amanhã por volta deste mesmo horário já esteja por aqui.

— Mas veja só isso! — disse o general. — Como é possível?

— Aposto que é uma brincadeira — exclamou o coronel, rindo.

— Ah, não, isto não se faz! Prosseguiu o general nada satisfeito. Arre... que diabo! Se não podia nos receber, então por que convidou?

— Realmente não entendo, Excelência, como se pode fazer uma coisa dessas — replicou um dos jovens oficiais.

— Quê? — disse o general, que tinha o hábito de empregar esta partícula interrogativa sempre que falava com um oficial subalterno.

— Eu disse, Excelência: como é possível comportar-se dessa maneira.

— Certamente. Se algo aconteceu, ao menos avisasse, ou então não fizesse o convite.

— Bem, Excelência, não há nada a fazer, vamos embora! — disse o coronel.

— É claro que não há o que fazer. Mas, pensando bem, podemos ver a tal carruagem mesmo sem ele. Com certeza não a levou consigo. Ei, você aí, venha cá, meu caro!

— O que deseja?

— Você é o cavalariço?

— Sim senhor, Excelência.

— Mostre-nos a nova carruagem que o seu senhor adquiriu há pouco tempo.

— Acompanhe-me, por favor, até a estrebaria.

O general dirigiu-se com os oficiais à estrebaria.

— Eis aqui, mas permita-me empurrá-la um pouco, está meio escuro.

— Chega, chega, já está bom!

O general e os oficiais deram uma volta ao redor da carruagem e examinaram cuidadosamente as rodas e as molas.

— Bem, não vejo nada de especial — disse o general. — É uma carruagem das mais comuns.

— Sem graça nenhuma — confirmou o coronel. — Absolutamente nada de especial.

— Me parece, Excelência, que não vale nem quatro mil rublos — acrescentou um dos jovens oficiais.

— Quê?

— Eu disse, Excelência, que ela não vale quatro mil rublos.

— Mas que quatro mil rublos! Não vale nem dois mil. Ela não tem nada de nada. A não ser que dentro tenha algo de especial... Por gentileza, amigo, levante a cobertura de couro...

E diante dos olhos dos oficiais surgiu Tchertokútski, envolto no roupão, encolhido de uma forma bem esquisita.

— Ah, então você está aqui!... — exclamou o general estupefato.

Dito isto, no mesmo instante o general bateu as portinholas com violência, atirou de novo a cobertura sobre Tchertokútski e foi embora com os senhores oficiais.

(1836)

As notas dos tradutores fecham com (N. do T.) ou (N. da T.); as das edições russas, com (N. da E.) e as dos autores, com (N. do A.).

1 Referência à invasão de 1812. (N. da T.)

2 Antiga medida russa equivalente a 16,3 kg. (N. da T.)

3 Jogo que consiste em um prego de cabeça grande, que se lança a um aro fixado no solo. (N. da T.)

Sobre a tradutora

Arlete Cavaliere é professora livre-docente de Teatro, Arte e Cultura Russa no curso de graduação e pós-graduação no Departamento de Letras Orientais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Publicou diversas traduções, entre elas: O nariz & A terrível vingança (de Nikolai Gógol): A magia das máscaras (Edusp, 1990, seguida de ensaio); Ivánov, de A. P. Tchekhov (Edusp, 1998, cotradutora, com indicação ao prêmio Jabuti na categoria tradução), Teatro russo: percurso para um estudo da paródia e do grotesco (Humanitas, 2009) e Teatro completo, de Nikolai Gógol (Editora 34, 2009).

Este conto integra a Nova antologia do conto russo (1792-1998), que tem organização, apresentação e notas de Bruno Barretto Gomide, traduções de Arlete Cavaliere, Aurora Fornoni Bernardini, Boris Schnaiderman, Cecília Rosas, Daniela Mountian, Denise Sales, Fátima Bianchi, Graziela Schneider, Lucas Simone, Mário Ramos, Moissei Mountian, Natalia Marcelli de Carvalho, Nivaldo dos Santos, Noé Silva e Yulia Mikaelyan, e traz quarenta contos de quarenta autores (São Paulo, Editora 34, 2011, 648 p.).

Uma seleção de vinte contos desta antologia pode ser adquirida, individualmente ou em conjunto (Nova antologia do conto russo: uma seleção), em formato digital. O conto “Insolação”, de Ivan Búnin, está sendo disponibilizado gratuitamente.

Título original: “Koliaska”, em Pólnoie sobránie sotchiniénii, Moscou, Akadiémi Naúk SSSR, 1952.

Copyright © Editora 34 Ltda., 2011

Capa, projeto gráfico e editoração eletrônica: Bracher & Malta Produção Gráfica

Revisão: Cide Piquet, Lucas Simone e Sérgio Molina

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