A jovem, a elegante sra. Descoings, que dizia ter trinta e seis anos, tinha um filho de trinta e cinco, chamado Bixiou, já viúvo, major do 21º da ativa, que pereceu como coronel em Dresden deixando um filho único. A Descoings, que só secretamente se encontrava com seu neto Bixiou, fazia-o passar por filho duma primeira mulher de seu marido. Sua confidência constituiu um ato de prudência: o filho do coronel, educado no liceu imperial com os dois filhos Bridau, teve lá uma meia bolsa. Esse rapaz, perspicaz e malicioso já nos tempos do liceu, conquistou, mais tarde, grande reputação como desenhista e como homem inteligente.[10] Ágata não gostava de mais nada do mundo além dos filhos e queria viver unicamente para eles. Recusou-se às segundas núpcias por prudência e por fidelidade. É, porém, mais fácil a uma mulher ser boa esposa do que ser boa mãe. Uma viúva tem duas tarefas cujas obrigações se contrariam: é mãe e deve exercer a autoridade paterna. Poucas mulheres são suficientemente fortes para compreender e desempenhar esse duplo papel. Assim a pobre Ágata, apesar das virtudes que possuía, foi a causa inocente de muitas desgraças. Em consequência de sua estreiteza de espírito e da confiança a que se habituam as almas puras, Ágata foi vítima da sra. Descoings, que a mergulhou num pavoroso infortúnio. A Descoings perseguia um grupo de centenas e a loteria não fiava a seus fregueses. Dirigindo a casa, pôde empregar no jogo o dinheiro destinado às despesas domésticas e foi progressivamente fazendo dívidas, na esperança de enriquecer o neto Bixiou, a querida Ágata e os pequenos Bridau. Quando as dívidas chegaram a dez mil francos, jogou paradas mais fortes esperando que sua centena favorita, que há nove anos não saía, encheria o abismo do déficit. A dívida começou, então, a subir rapidamente. Quando atingiu a importância de vinte mil francos, a Descoings perdeu a cabeça e não ganhou a centena. Quis, então, empenhar seus bens para reembolsar a sobrinha; mas Roguin, seu tabelião, demonstrou-lhe a impossibilidade de realizar esse honesto desejo. O finado Rouget, ao morrer o cunhado Descoings, ficara com a herança deste, desinteressando dela a sra. Descoings por meio dum usufruto que gravava os bens de João-Jaques. Nenhum agiota quereria emprestar vinte mil francos a uma mulher de sessenta e sete anos sobre um usufruto de cerca de quatro mil francos, numa época em que abundavam os empregos de capital a dez por cento. Uma manhã, a Descoings lançou-se aos pés da sobrinha e, soluçando, confessou a situação. A sra. Bridau não lhe fez a mínima censura, despediu o criado e a cozinheira, vendeu o supérfluo da mobília e três quartas partes do capital colocado a juros, pagou tudo e rescindiu o contrato do apartamento.
III — AS VIÚVAS INFELIZES
Um dos mais horríveis recantos de Paris é, certamente, o trecho da Rue Mazarine desde a Rue Guénégaud até o ponto em que se reúne à Rue de Seine, atrás do palácio do Instituto. As altas paredes escuras do colégio e da biblioteca, que o cardeal Mazarin doou à cidade de Paris e onde se devia instalar um dia a Academia Francesa, lançam sombras glaciais sobre esse trecho de rua, onde o sol raramente aparece e onde sopra o vento frio do norte. A pobre viúva arruinada instalou-se no terceiro andar duma das casas situadas nesse lugar úmido, escuro e frio. Diante da casa erguem-se os alojamentos do Instituto, onde ficavam então os quartos dos animais ferozes conhecidos pelo nome de artistas entre os burgueses e pelo de troca-tintas nos salões de pintura. Entrava-se lá como troca-tintas e podia-se sair como aluno em Roma por conta do governo. Essa operação não se realizava sem extraordinárias algazarras nas épocas do ano em que os concorrentes se encerravam naqueles quartos. Para serem laureados, deviam concluir, num prazo determinado, se escultores, a modelagem em barro duma estátua; se pintores, um dos quadros que podeis admirar na Escola de Belas-Artes; se músicos, uma cantata; se arquitetos, um projeto de monumento.
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