Na época em que estas linhas são escritas, esse jardim zoológico já foi transferido desses alojamentos escuros e frios para o elegante palácio das Belas-Artes, a alguns passos de lá.

Das janelas da sra. Bridau o olhar mergulhava nesses cubículos gradeados que tinham um aspecto profundamente triste. Ao norte, a perspectiva é limitada pela cúpula do Instituto. Ao longo da rua, os olhos têm como única recreação a fila de fiacres que estacionam na parte alta da Rue Mazarine. Por isso, a viúva acabou colocando nas janelas três caixas com terra, nas quais cultivou um desses jardins aéreos que violam as ordens da polícia e cujas plantas rarefazem a luz e a aeração. Essa casa, encostada a outra que dá para a Rue de Seine, tem, necessariamente, pouca profundidade e a escada é em caracol. O terceiro andar é o último. Três janelas, três peças; uma sala de refeições, uma saleta e um quarto de dormir; e, no outro lado do patamar, uma pequena cozinha, dois quartos de solteiro e uma imensa água-furtada sem função. A sra. Bridau escolheu essa moradia por três motivos: a modicidade, pois custava quatrocentos francos e assim ela fez um contrato de aluguel por nove anos; a proximidade do colégio, pois ficava a pouca distância do liceu imperial; e, por fim, continuava no bairro a que já se habituara. O interior do apartamento harmonizava-se com o prédio. A sala de refeições, forrada de papelzinho amarelo com flores verdes e cujo assoalho vermelho não foi encerado, continha apenas o estritamente necessário: uma mesa, dois armários e seis cadeiras, tudo trazido do apartamento antigo. A sala foi ornada com um tapete de Aubusson dado a Bridau por ocasião da renovação do mobiliário do ministério. A viúva colocou na sala um desses móveis vulgares de acaju, com cabeças egípcias, que Jacob Desmalter[11] fabricava por atacado em 1806, e forrados de seda verde com rosáceas brancas.

Por cima do canapé, o retrato de Bridau a pastel, pintado por mão amiga, atraía imediatamente os olhares. Embora a arte pudesse encontrar ali o que criticar, reconhecia-se perfeitamente na fronte a firmeza do grande cidadão obscuro. A serenidade dos olhos, simultaneamente doces e altivos, estava bem reproduzida. A sagacidade testemunhada pelos lábios prudentes e o sorriso franco, a expressão do homem de quem o imperador dizia: justum et tenacem[12] haviam sido apanhados, se não com talento, pelo menos com exatidão. Contemplando o retrato, via-se que o homem sempre cumprira seu dever. Sua fisionomia expressava essa incorruptibilidade que se atribui a vários homens empregados durante a República.

Na parede oposta, sobre uma mesa de jogo, ostentava-se o retrato colorido do imperador feito por Vernet[13] e que mostra Napoleão passando apressadamente a cavalo seguido da escolta. Ágata adquiriu duas grandes gaiolas de pássaros, uma cheia de canários e a outra de aves exóticas. Afeiçoara-se a esse divertimento pueril após a perda, irreparável para ela como para muita gente, que sofrera.

Quanto ao quarto da viúva, já era, ao fim de três meses, o que devia ser até o dia nefasto em que foi obrigada a deixá-lo: uma confusão que descrição alguma poderia pôr em ordem. Os gatos faziam seu domicílio nas poltronas; os canários, às vezes postos em liberdade, deixavam vírgulas sobre os móveis. A pobre viúva espalhava pelo quarto a quirera e o morrião para eles. Os gatos encontravam petiscos em pires lascados. A roupa usada rolava pelo chão. O quarto cheirava a província e a fidelidade. Tudo quanto pertencera ao finado Bridau fora carinhosamente conservado. Os objetos de escritório receberam os cuidados que antigamente a viúva dum paladino daria a suas armas. Todos compreenderão o culto comovedor dessa mulher por um simples detalhe. Guardara uma pena num envelope lacrado, com a seguinte inscrição: “Última pena de que se serviu meu querido esposo”.