A taça em que ele bebera seu último gole estava sob uma campânula, em cima da estufa. Os bonés e as cabeleiras postiças imperaram, mais tarde, sobre os globos de vidro que recobriam essas preciosas relíquias. Após a morte de Bridau, não se viu mais na jovem viúva de trinta e cinco anos o menor vestígio de faceirice nem de cuidados femininos. Separada do único homem que conhecera, estimara, amara, que não lhe dera o mínimo desgosto, não se sentia mais mulher, tudo lhe era indiferente. Não se preocupou mais com o vestuário. Nunca houve nada mais simples nem mais completo que essa renúncia à felicidade conjugal e aos atrativos femininos. Certas criaturas recebem do amor a faculdade de transferir o eu para outra pessoa; e, quando esta lhes é arrebatada, a vida se lhes torna impossível. Ágata, que só podia viver para os filhos, sentia uma infinita tristeza ao verificar quantas privações sua ruína lhes imporia. Desde que se instalara à Rue Mazarine, sua fisionomia adquiriu um tom de melancolia que a tornou patética. Contava, um pouco, com o imperador, mas o imperador não podia fazer mais do que estava fazendo: sua caixa particular dava anualmente seiscentos francos a cada filho, além da bolsa de estudos.
Quanto à brilhante Descoings, ocupou, no segundo andar, um apartamento igual ao da sobrinha. Fizera à sra. Bridau uma consignação de mil escudos a retirar preferencialmente de seu usufruto. Roguin, o tabelião, regularizara os direitos da sra. Bridau nesse assunto, mas seriam necessários cerca de sete anos para que esse lento reembolso reparasse o mal. Roguin, encarregado de restaurar os mil e quinhentos francos de renda, ia encaixando sucessivamente as quantias assim descontadas. A Descoings, reduzida a mil e duzentos francos, vivia precariamente com a sobrinha. As duas honestas mas fracas criaturas tomaram uma criada apenas para a parte da manhã. A Descoings, que gostava da cozinha, fazia o jantar. A noite, alguns amigos, funcionários do ministério que haviam sido empregados por Bridau, iam jogar cartas com as duas viúvas. A Descoings continuava a perseguir sua centena que — dizia — teimava em não sair. Esperava restituir duma vez só o que obrigara a sobrinha a emprestar-lhe. Gostava mais dos dois pequenos Bridau que de seu neto Bixiou, tamanhas eram a consciência que tinha de suas faltas para com eles e a admiração que sentia pela bondade da sobrinha, que, nas maiores penúrias, nunca lhe dirigiu a mínima censura. Assim, ficais sabendo que José e Felipe eram mimados pela Descoings. Como todas as pessoas que têm um vício a se fazer perdoar, a antiga freguesa da loteria imperial da França preparava-lhes pequenos jantares cheios de guloseimas. Mais tarde, José e Felipe podiam arrancar com toda a facilidade dinheiro de sua bolsa, o caçula para lápis, papel e gravuras, e o primogênito para tortas de maçãs, bolinhas de gude, cordões e facas. Sua paixão levava-a a contentar-se com cinquenta francos mensais para todas as despesas, a fim de poder jogar o resto.
Por sua vez, a sra. Bridau, por amor maternal, não deixava sua despesa elevar-se muito. Para punir-se por sua exagerada confiança, restringia heroicamente seus pequenos prazeres. Como acontece a muitos espíritos tímidos e de inteligência limitada, um único sentimento ofendido e sua desconfiança alertada a levavam a desenvolver de tal forma um defeito que este adquiria a consistência de uma virtude. O imperador podia esquecer-se — pensava —, podia morrer numa batalha e sua pensão cessaria consigo.
1 comment