— Numa tipografia devia-se pagá-los mais caro que aos novos, como fazem os laminadores de ouro.

Espaventosas vinhetas representando himeneus, amores, mortos a levantar a pedra do sepulcro descrevendo um V ou um M, enormes cercaduras de máscaras para os cartazes de espetáculos tornaram-se, por efeito da eloquência avinhada de Jerônimo Nicolau, objetos de imenso valor. Disse ao filho que os hábitos da gente do interior estavam tão fortemente enraizados que ele experimentaria em vão dar-lhes mais belas coisas. Ele, Jerônimo Nicolau Séchard, tentara vender-lhes almanaques melhores que o Double Liégeois,[12] impresso em papel de embrulho! pois bem! o verdadeiro Double Liégeois fora preferido aos mais magníficos almanaques. David iria reconhecer em breve a importância dessas velharias, vendendo-as a maior preço que as mais caras novidades.

— Ha! ha! meu rapaz, a província é a província, e Paris é Paris. Se um homem do Houmeau vem te encomendar uma participação de casamento, e tu a imprimires sem um Cupido com guirlandas, ele não se acreditará casado e ta devolverá se nela enxergar só um M, como põem os teus Didot, que são a glória da tipografia, mas cujas invenções não serão adotadas na província antes de cem anos. Aí está.

As pessoas generosas dão maus comerciantes. David possuía uma natureza pudica e terna, dessas que se assustam com uma discussão e que cedem no momento em que o adversário lhes pica um pouco mais o coração. Seus sentimentos elevados e o império que o velho bêbado conservava sobre ele o tornavam ainda menos capaz de sustentar um debate sobre dinheiro com o pai, sobretudo por acreditá-lo na melhor das intenções; pois atribuía a voracidade do interesse, antes do mais, ao amor que o impressor tinha por seus utensílios. Entretanto, como Jerônimo Nicolau Séchard havia obtido tudo da viúva Rouzeau por dez mil francos em promissórias, e como no estado atual das coisas trinta mil francos era um preço exorbitante, o filho exclamou:

— Meu pai, o senhor me enforca!

— Eu, que te dei a vida?... — disse o velho ébrio levantando as mãos para o teto. — Mas, David, em quanto avalias tu a patente? Sabes o que vale o jornal de editais a dez sous a linha, privilégio que, por si só, rendeu quinhentos francos no mês passado? Meu rapaz, abre os livros, vê o que produzem os cartazes e os registros da Prefeitura, as publicações da mairie[13] e as do bispado! És um mandrião que não quer fazer a própria fortuna. Negocias o cavalo que há de te conduzir a um domínio tão belo como o de Marsac!

Ao inventário estava apenso um contrato de sociedade entre o pai e o filho. O bom pai alugava à firma a casa pela soma de mil e duzentos francos, embora não lhe houvesse custado mais de seis mil libras e nela reservava um dos dois quartos existentes na mansarda. Enquanto David Séchard não o houvesse reembolsado dos trinta mil francos, os lucros seriam partilhados em partes iguais; pagos os trinta mil francos, tornar-se-ia o único proprietário da tipografia.

David estimou as possibilidades da patente, da clientela e do jornal, sem se preocupar com os utensílios; julgou poder vencê-las e aceitou as condições. Habituado ao regateio dos camponeses, e nada sabendo dos largos cálculos dos parisienses, admirou-se o velho de tão pronta conclusão.

“Será que meu filho enriqueceu?”, pensou, “ou projeta ele, desde agora, não me pagar?”

Com esse pensamento, interrogou-o para saber se tinha algum dinheiro para dar por conta. A curiosidade do pai despertou a desconfiança do filho. David abotoou-se até o queixo. No dia seguinte, o velho Séchard fez transportar pelo seu aprendiz para o quarto da mansarda os seus móveis, que contava mandar levar para o campo pelas carretas que para lá voltassem vazias. Entregou as três peças do primeiro andar inteiramente nuas ao filho, tal como o investiu na posse da tipografia sem dar-lhe sequer um níquel para pagar os operários.

Ao pedir-lhe David que, na sua qualidade de associado, contribuísse com a entrada necessária à exploração comum do negócio, o velho impressor se fez de ignorante. Não se obrigara, disse, a dar dinheiro dando a tipografia; seu aporte de capital estava feito. Apertado pela lógica do filho, respondeu-lhe que, quando comprara o estabelecimento da viúva Rouzeau, livrara-se das dificuldades sem um vintém. Se ele, pobre operário despido de conhecimentos, conseguira vencer, melhor o faria um aluno dos Didot. Ademais, David ganhara o dinheiro com a educação paga com o suor da fronte do seu velho pai, e bem podia empregá-lo agora.

— Que fizeste de teus ordenados? — perguntou-lhe voltando à carga, a fim de esclarecer o problema que o silêncio do filho deixara indeciso na véspera.

— Mas não tive então de viver, não tive de comprar livros? — respondeu David indignado.

— Ah! comprava livros? Farás maus negócios. As pessoas que compram livros não são as mais indicadas para imprimi-los — respondeu o Urso.

David experimentou a mais penosa das humilhações, a que é causada pelo rebaixamento de um pai: foi-lhe preciso sofrer o fluxo das razões vis, chorosas, covardes, comerciais, através das quais o velho avaro formulou sua recusa. Recalcou na alma as suas dores vendo-se só, sem apoio, ao enfrentar um especulador no pai, a quem, por curiosidade filosófica, quis conhecer a fundo. Fez-lhe assim observar que nunca lhe pedira contas da herança da mãe. Se essa herança não podia entrar como compensação no preço da tipografia, deveria ao menos servir à sua exploração em comum.

— A fortuna de tua mãe? — disse o velho Séchard. — Mas se era só a sua inteligência e a sua beleza!

A esta resposta David percebeu por inteiro o pai, e compreendeu que, para obter contas dele, seria necessário intentar um processo interminável, caríssimo e desonroso. Aquele nobre coração aceitou o fardo que iria pesar sobre ele, pois sabia bem quanto esforço precisaria desenvolver para cumprir as obrigações do contrato firmado com o pai.

“Trabalharei”, pensou. “Afinal de contas, se tiver dificuldade, o velho as teve também.