A sra. Desmarets chegava, vestida de branco, simples e nobre, toucada precisamente com as plumas que o jovem barão a vira escolher na loja de flores. Essa voz de amor feriu o coração de Augusto. Se houvesse conquistado o menor direito de demonstrar-lhe ciúme, tê-la-ia petrificado dizendo-lhe: “Rue Soly!”. Mas, quando ele, um estranho, houvesse repetido mil vezes tais palavras ao ouvido da sra. Desmarets, ela lhe teria perguntado, com espanto, o que queria dizer. Olhou-a, assim, com um ar estúpido.

Para as pessoas maldosas que de tudo riem, é talvez um grande divertimento conhecer o segredo de uma mulher, saber que sua castidade mente, que sua fisionomia calma esconde pensamentos profundos, que há algum drama espantoso sob sua fronte pura. Mas existem certas almas a que tal espetáculo contrista realmente, e muitos dos que dele riem, de volta a casa, sozinhos com a sua consciência, maldizem a sociedade e desprezam tal mulher. Assim se achava Augusto de Maulincour em presença da sra. Desmarets. Situação esquisita! Não existiam entre eles senão as relações que se estabelecem na sociedade entre pessoas que trocam algumas palavras sete ou oito vezes em cada inverno, e ele pretendia pedir-lhe contas de uma felicidade que ela ignorava e a julgava sem lhe fazer conhecer a acusação.

Muitíssimos jovens estiveram em situação igual, regressando à casa, desesperados por haver rompido para sempre com uma mulher que adoram em segredo, e em segredo condenada e desprezada. Surgem então monólogos ditos às paredes de um reduto solitário, tempestades nascidas e acalmadas sem saírem do fundo dos corações, admiráveis cenas do mundo moral para as quais faltam pintores.

A sra. Desmarets foi sentar-se, deixando o marido, que deu volta ao salão. Ao sentar-se ficou um tanto constrangida e, embora conversando com a vizinha, lançava um olhar furtivo a Júlio Desmarets, seu marido, corretor de câmbio do barão de Nucingen.

O sr. Desmarets era, cinco anos antes do casamento, auxiliar de um corretor de câmbio, e não possuía então outra fortuna senão os magros vencimentos de caixeiro. Era, porém, desses homens aos quais a desventura ensina antecipadamente as coisas da vida e que seguem em linha reta com a tenacidade de um inseto que quer chegar à toca; um desses moços teimosos que se fingem de mortos ante os obstáculos e cansam todas as paciências com uma paciência de bicho-de-conta. Muito moço, possuía, assim, todas as virtudes republicanas dos povos pobres: era sóbrio, avaro do seu tempo, inimigo dos prazeres. Esperava. A natureza havia-lhe concedido, além disso, as imensas vantagens de um exterior agradável. Sua fronte calma e serena, um corte de rosto plácido mas expressivo, modos simples, tudo nele revelava uma existência laboriosa e resignada, a alta dignidade pessoal que se impõe, e a secreta nobreza de coração que resiste a todas as situações. Sua modéstia inspirava certo respeito a quantos o conheciam. Solitário em plena Paris, não via a sociedade senão de relance durante os breves momentos em que atravessava os salões do patrão, nos dias de festa.

Havia nesse rapaz, como na maior parte das pessoas que vivem assim, paixões surpreendentemente profundas; paixões demasiado grandes para se comprometerem com pequenos incidentes. Sua pobreza o obrigava a uma vida austera e ele dominava suas fantasias com enorme trabalho. Depois de empalidecer sobre as cifras ele repousava, experimentando, obstinadamente, adquirir o conjunto de conhecimentos hoje necessários a quem quer que deseje fazer-se notado na sociedade, no comércio, no foro, na política ou nas letras.

O único escolho que encontram essas belas almas é exatamente a sua probidade. Veem uma moça pobre, enamoram-se, casam-se e passam a existência a se debater entre o amor e a miséria. Suas maiores ambições se extinguem no caderno das despesas do lar. Júlio Desmarets deu em cheio nesse escolho. Certo dia viu em casa do patrão uma jovem criatura da mais rara beleza. Os infelizes privados de afeto, que consomem as belas horas da juventude em longos trabalhos, têm o privilégio dos rápidos progressos da paixão em seus corações desertos e mal julgados. Têm tanta certeza de bem amar, tão depressa se concentram as suas forças na mulher de que se enamoram que, perto desta, recebem deliciosas sensações, não lhes dando, muita vez, nenhuma...