O xale estava colado sobre o busto desenhando-lhe vagamente as curvas deliciosas, e o jovem, que contemplara aquelas brancas espáduas nos bailes, sabia todos os tesouros que ele encobria.
Pelo modo como uma parisiense se envolve em seu xale, pelo modo como ergue o pé na rua, um homem de espírito adivinha o segredo de sua caminhada misteriosa. Há qualquer coisa de palpitante, de leveza na pessoa e no andar: a mulher parece pesar menos, vai, ou melhor, desliza como uma estrela e voa levada por um pensamento que os movimentos e as pregas do vestido atraiçoam.
O rapaz apressou o passo, passou pela mulher e voltou-se para vê-la... Pst! Havia desaparecido num corredor cuja porta de postigo e campainha batia e soava. O jovem voltou e viu a mulher subir, ao fim do corredor, e recebendo os obsequiosos cumprimentos de uma velha porteira, os primeiros degraus, fortemente iluminados, de tortuosa escada; e subia lestamente, vivamente, como o faria uma mulher impaciente.
“Impaciente por quê?”, pensou o jovem, que recuou para se colar à parede do outro lado da rua. E contemplou o infeliz todos os andares da casa com a atenção de um agente de polícia à procura de um conspirador.
Era uma casa como milhares de outras em Paris, ignóbil, vulgar, estreita, amarelecida pelo tempo, de quatro andares de três janelas. A loja e o porão pertenciam ao sapateiro. As persianas do primeiro andar estavam cerradas. Aonde iria a senhora? O rapaz acreditou ouvir o retinir de uma sineta no apartamento do segundo andar. Efetivamente, uma luz se agitou numa peça de duas janelas fortemente iluminadas e passou à terceira, cuja obscuridade deixava adivinhar uma primeira peça, sem dúvida sala de visitas ou de jantar do apartamento. Mal a silhueta de um chapéu se desenhou vagamente, a porta fechou-se, a primeira peça tornou a ficar escura e os dois últimos caixilhos retomaram seus tons rubros. Nesse instante o rapaz ouviu:
— Cuidado!
E recebeu um golpe na espádua.
— Não presta atenção a nada! — gritou-lhe um operário que levava uma longa prancha ao ombro. O trabalhador passou. Foi como que o homem da Providência, dizendo ao curioso:
— Em que te vens meter? Cuida do teu serviço e deixa aos parisienses os seus pequenos casos.
O jovem cruzou os braços e, não sendo visto por ninguém, deixou correr pelas faces lágrimas de raiva sem as enxugar. A vista das sombras que deslizavam pelas duas janelas iluminadas fazia-lhe mal. Olhou por acaso para a parte superior da Rue des Vieux-Augustins e viu um carro parado ao longo de uma parede num lugar onde não havia nem porta de casa nem luz de loja.
Será ela? Não será ela? A vida ou a morte para um apaixonado. E o enamorado esperava. Ficou ali durante um século de vinte minutos. A mulher desceu, afinal, e ele reconheceu aquela a quem amava secretamente! Entretanto, duvidava ainda. A desconhecida dirigiu-se para o carro e subiu.
“A casa estará sempre aqui, poderei noutra ocasião examiná-la”, pensou o jovem, que seguiu o carro a correr a fim de dissipar suas últimas dúvidas, que logo se desvaneceram.
O carro parou na Rue Richelieu, diante de uma loja de flores, próximo à Rue de Ménars. A dama desceu, entrou na loja, mandou o dinheiro devido ao cocheiro e saiu depois de escolher algumas plumas de marabu. Plumas para os seus cabelos negros! Morena, aproximara da cabeça as penas para apreciar o efeito. O oficial acreditava ouvir a conversa da mulher com a florista:
— Senhora, não há o que fique melhor nas morenas. As morenas têm contornos demasiado vivos e as plumas dão-lhes às toilettes o flou que lhes falta. A duquesa de Langeais costuma dizer que isto dá à mulher qualquer coisa de vago, ossiânico,[16] perfeito.
— Bem, remeta-mas sem demora.
A seguir a dama caminhou lestamente para a Rue de Ménars e entrou em casa. Quando se fechou a porta do edifício em que residia, o jovem apaixonado, perdidas todas as esperanças e, dupla infelicidade, suas crenças mais amadas, andou por Paris como um ébrio e encontrou-se logo depois em casa sem saber como lá chegara. Atirou-se numa poltrona junto à lareira, pôs os pés no guarda-fogo e, com a cabeça entre as mãos, deixou secar as botas molhadas, queimando-as até. Vivia um momento espantoso, um desses momentos de vida humana em que se modifica o caráter e em que a conduta do melhor dos homens depende da felicidade ou da infelicidade de seu primeiro ato. Providência ou fatalidade, escolhei.
Pertencia o jovem a uma boa família cuja nobreza não era, entretanto, muito antiga; mas há tão poucas famílias antigas hoje em dia que todos os jovens são antigos sem contestação. Seu avô adquirira um cargo de conselheiro no Parlamento de Paris, do qual se tornara presidente. Seus filhos, providos todos de belas fortunas, conseguiram funções públicas e, por suas alianças, chegaram à Corte.
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