des Touches, Luciano, contente de se ver recebido nessas três casas, aprendeu com o seu espanhol a usar da máxima reserva nas suas relações.

— Não é possível ser devotado a várias casas ao mesmo tempo — dizia-lhe o seu conselheiro íntimo. — Quem aparece em toda a parte não encontra interesse vivo em parte alguma. Os grandes só protegem aqueles que rivalizam com os seus móveis, aqueles que eles veem todos os dias, e que sabem tornar-se para eles uma coisa necessária, como o divã em que se assentam.

Habituado a considerar o salão dos Grandlieu como seu campo de batalha, Luciano reservava seu espírito, seus chistes, as novidades e suas graças de cortesão para o tempo que lá passava à noite. Insinuante, carinhoso, prevenido por Clotilde dos escolhos que devia evitar, lisonjeava as pequenas paixões do sr. de Grandlieu. Tendo começado por invejar a felicidade da duquesa de Maufrigneuse, Clotilde acabou por se enamorar loucamente de Luciano.

Percebendo todas as vantagens de um tal enlace, Luciano fez o seu papel de galã como o faria Armand,[107] o último galã da Comédie Française. Escrevia a Clotilde cartas que eram verdadeiras obras-primas literárias, às quais a moça respondia dando tratos à imaginação para exprimir no papel toda a fúria do seu amor, pois que ela não conseguia amar senão dessa forma. Ia todos os domingos ouvir missa na Saint-Thomas-d’Aquin, inculcava-se fervoroso católico, entregava-se a dissertações monárquicas e religiosas que faziam maravilhas. Além disso escrevia nos jornais dedicados à Congregação[108] artigos verdadeiramente notáveis, sem aceitar dinheiro por eles e assinando-os apenas com um l . Fez brochuras políticas, pedidas ou pelo rei Carlos x ou pelo capelão-mor do paço, e não exigiu a mínima recompensa.

— O rei — dizia ele — já fez tanto por mim que até o meu próprio sangue lhe devo.

Assim é que há dias se falava em colocar Luciano no gabinete do primeiro-ministro como secretário particular, porém a sra. d’Espard pôs tanta gente em campo contra ele que o mestre Jacques de Carlos x[109] hesitava em tomar tal resolução. Não somente não era bastante clara a posição de Luciano, e estas palavras “De que vive ele?” que cada um tinha sobre os lábios, à medida que ele se elevava, exigiam uma resposta, mas ainda a curiosidade benévola como a curiosidade maliciosa iam de investigação em investigação, descobrindo mais de um ponto fraco na couraça desse ambicioso. Inocentemente, Clotilde de Grandlieu servia a seu pai e a sua mãe de espião. Dias antes havia ela chamado Luciano de parte ao vão de uma janela, para conversarem e para lhe transmitir as objeções da família.

— Arranje uma propriedade de um milhão e pode pedir-me em casamento, foi a resposta de minha mãe — havia dito Clotilde.

— Mais tarde irão perguntar de onde te vem o dinheiro — dissera Carlos a Luciano quando este lhe fora comunicar o ultimato.

— Meu cunhado deve ter feito fortuna — ponderara Luciano. — Teremos nele uma boa desculpa.

— O que falta, portanto, é o milhão — havia dito Carlos. — Vou pensar no caso.

Para bem explicar a posição de Luciano no palácio de Grandlieu, basta dizer que nunca lá havia jantado. Nem Clotilde nem a duquesa d’Uxelles nem a sra. de Maufrigneuse, que sempre se mostrara afeiçoada a Luciano, puderam obter do velho duque esse favor, tal a desconfiança que o gentil-homem nutria em relação àquele a quem ele chamava o sr. de Rubempré. Essa particularidade, reparada por quantos frequentavam aquela casa, feria profundamente o amor-próprio de Luciano, o qual reconhecia que ali era apenas tolerado. O mundo tem o direito de ser exigente, pois é enganado com tanta frequência! Fazer-se notado em Paris sem ter fortuna conhecida, sem uma indústria confessável, é uma posição que nenhum artifício pode sustentar por muito tempo. Assim pois, quanto mais se elevava, mais força dava Luciano a esta objeção: “De que vive ele?”. Vira-se forçado a dizer em casa da sra. de Sérisy, a quem devia a proteção do procurador-geral Granville e de um ministro de Estado, o conde Otávio de Bauvan,[110] presidente do supremo tribunal:

— Estou crivado de dívidas.

Ao entrar no pátio do palácio onde se encontrava a legitimação das suas vaidades, ia ele pensando com amargura, a propósito da determinação de Engana-a-Morte: “Sinto estalar tudo debaixo de meus pés!”. Amava Ester e queria a srta. de Grandlieu para esposa. Estranha situação! Era indispensável vender uma para obter a outra. Só um homem podia fazer essa traficância sem que a honra de Luciano sofresse: esse homem era o falso espanhol. Não deviam eles ser tão discretos um como o outro, e um para com o outro? Não aparecem na vida dois pactos desse gênero, no qual cada um é alternadamente dominador e dominado.

Luciano espantou as nuvens que obscureciam sua fronte e entrou radioso, alegre nas salas do palácio de Grandlieu.

xix − uma moça de boa família

Nesse momento estavam abertas as janelas, os aromas do jardim embalsamavam o salão, a jardineira que lhe ocupava o centro oferecia aos olhares sua pirâmide de flores. A duquesa, sentada a um canto, num sofá, conversava com a duquesa de Chaulieu.