A própria dor acenava para uma vida mais intensa. Depois, um sentimento religioso sempre vivo atenuou e deliu a grave perda. Minha mãe continuava a viver, embora distante de mim, e poderia compartilhar dos sucessos que eu viesse a alcançar. Uma bela comédia! Recordo exatamente o meu estado de então. A morte de minha mãe e a salutar emoção que me causou fizeram-me sentir que tudo deveria melhorar para mim.

Já a morte de meu pai foi uma grande e verdadeira catástrofe. O paraíso deixou de existir e eu, aos trinta anos, era um homem desiludido. Morto também! Ocorreu-me pela primeira vez que a parte mais importante e decisiva de minha vida ficava irremediavelmente para trás. Minha dor não era exclusivamente egoísta, como se poderia depreender destas palavras. Ao contrário! Chorava por ele e por mim, e por mim apenas porque ele havia morrido. Até então eu passara de cigarro a cigarro e de uma universidade a outra, com uma confiança indestrutível em minha capacidade. Contudo, creio que aquela confiança que tornava a vida tão doce teria continuado, quem sabe até hoje, se meu pai não tivesse morrido. Com ele morto já não havia um futuro para onde assestar minhas resoluções.

Muitas vezes, ao pensar nisto, fico intrigado pelo fato estranho de que essa desesperança quanto ao meu futuro só se veio a produzir com a morte de meu pai, e não antes. Tudo isso ocorreu muito recentemente e para recordar a minha intensa dor e todos os pormenores de minha desventura não tenho necessidade de sonhar, segundo querem estes senhores da psicanálise. Recordo tudo, mas não compreendo nada. Até sua morte, nunca vivi para meu pai. Nunca fiz nenhum esforço para aproximar-me dele e, quando podia fazer isso sem ofendê-lo, até me afastava dele. Na universidade todos o conheciam pelo apelido que eu lhe dava: O Velho Silva Mão-Aberta. Foi preciso a doença para ligar-me a ele; doença que foi logo a morte, pois durou pouco e o médico o deu por desenganado. Quando me achava em Trieste, nos víamos vez por outra, uma hora por dia no máximo. Nunca estivemos tão juntos e por tanto tempo quanto por ocasião de sua morte. Quem dera o tivesse assistido melhor e chorado menos! Não estaria tão doente! Era difícil o nosso convívio, até porque entre nós dois nada havia de comum intelectualmente. Olhando-nos, mostrávamos ambos o mesmo sorriso de tolerância, nele tornado mais amargo por uma viva ansiedade paterna com relação ao meu futuro; em mim, ao contrário, todo indulgência, certo que estava de suas fraquezas já agora destituídas de conseqüências, tanto que as atribuía em parte a sua idade. Ele foi o primeiro a duvidar de minha força de vontade e — ao que me parece — um pouco cedo demais. Suspeito, embora sem apoio de uma convicção científica, que duvidasse de mim pelo fato mesmo de ser seu filho, o que contribui — e aqui com perfeita base científica — para aumentar minha falta de confiança nele.

Meu pai passava por hábil comerciante, embora eu soubesse que seus negócios desde muito eram administrados por Olivi. Nessa incapacidade para o comércio residia toda a semelhança entre nós; não havia outras. Posso dizer que eu representava a força e ele a fraqueza. O que venho registrando neste relato já prova que em mim existe e sempre existiu — talvez para minha maior desventura — um impetuoso impulso para o melhor. Todos os meus sonhos de equilíbrio e de força não podem ser definidos de outra maneira. Meu pai não conhecia nada disto. Vivia perfeitamente de acordo com aquilo que fizeram dele e devo observar que nunca se esforçou no sentido de aperfeiçoar-se.