Chegava ao primeiro andar quando uma senhorita com seu algo elegante uniforme de enfermeira veio atrás de mim, perguntando cortesmente:

— O senhor está à procura de alguém?

Era engraçadinha e eu teria acabado com prazer junto dela os meus dez cigarros. Sorri um tanto agressivo:

— O Dr. Muli não está?

Mostrou-se um pouco surpresa:

— A esta hora nunca está aqui.

— Não poderia dizer-me onde poderei encontrá-lo? Tenho em casa uma pessoa enferma que necessita dos cuidados dele.

Delicadamente forneceu-me o endereço do médico e eu o repeti várias vezes para fingir que desejava decorá-lo. E não teria mais pressa em afastar-me se ela, impaciente, não me tivesse voltado as costas. Estava acabando por ser posto para fora de minha prisão. À saída, uma mulher prontificou-se a abrir-me a porta. Não tinha um níquel comigo e murmurei:

— Da próxima vez lhe darei algum.

Não se pode prever o futuro. Comigo as coisas costumam repetir-se: não se excluía a hipótese de eu voltar a passar por ali.

A noite estava clara e agradável. Tirei o chapéu para melhor sentir a brisa da liberdade. Contemplei as estrelas com admiração, como se as visse pela primeira vez. No dia seguinte, longe da casa de saúde, iria deixar de fumar. Mas, até lá, num café que ainda estava aberto, tratei de conseguir cigarros de boa qualidade, já que me seria impossível encerrar minha carreira de fumante com aqueles que me dera a pobre Giovanna. O rapaz que me atendeu conhecia-me e vendeu-me fiado.

Quando cheguei a casa, toquei furiosamente a campainha. De início, a empregada veio à janela, e em seguida, após um tempo que não me pareceu de todo breve, surgiu minha mulher. Eu a esperava pensando com perfeita frieza: "Tudo indica que o Dr. Muli esteja aqui." Mas, tendo-me reconhecido, minha mulher fez ecoar pela rua deserta uma gargalhada tão sincera que seria suficiente para apagar qualquer suspeita. Depois de entrar, demorei pelos cantos um olhar inquisidor. Minha mulher, a quem prometi contar no dia seguinte as minhas aventuras, que ela já imaginava quais fossem, não tardou a perguntar:

— Mas por que você não vai deitar-se?

Para justificar-me, disse:

— Acho que você aproveitou a minha ausência para mudar aquele armário de lugar.

É verdade que, em casa, acho as coisas sempre fora dos lugares e é igualmente verdade que minha mulher quase sempre é quem as muda, mas naquele momento eu perscrutava todos os cantos apenas para ver se por ali estaria escondido o elegante e minúsculo corpo do Dr. Muli.

De minha mulher recebi mas foi um boa notícia. Ao voltar da casa de saúde, encontrou na rua o filho de Olivi que lhe contara estar o velho muito melhor depois que tomara um remédio prescrito pelo novo médico a quem consultara.

Ao deitar-me, achei que fizera bem em deixar a casa de saúde, pois tinha tempo suficiente para curar-me aos poucos. Meu filho, que dormia no quarto ao lado, ainda não estava certamente em idade de julgar-me ou imitar-me. Não havia pressa absolutamente nenhuma.

A MORTE DE MEU PAI

 

Com o médico ausente, não sei na verdade se a biografia de meu pai é necessária. Descrevê-lo minuciosamente poderia parecer que minha cura estivesse condicionada a analisá-lo primeiro, e chegar-se-ia assim a um impasse. Se tenho a coragem de prosseguir é porque sei que, se meu pai necessitasse desse tratamento, seria por algum mal totalmente diverso do meu. De toda maneira, para não perder tempo, direi dele somente o que puder reavivar as recordações de mim mesmo.

"15.4.1890, às 4 e 30. Meu pai morreu. U.S." Para os menos avisados as duas últimas letras não significam United States, mas "última sigaretta". É a anotação que encontro num volume de filosofia positiva de Ostwald sobre o qual passei várias horas cheio de esperança e que nunca cheguei a compreender. Ninguém acreditaria mas, malgrado aquela forma, essa anotação registra o acontecimento mais importante de minha vida.

Minha mãe faleceu quando eu não tinha ainda quinze anos. Escrevi versos em sua memória, o que não equivale exatamente a chorar a sua morte e, na minha dor, fui sempre assaltado pelo sentimento de que a partir daquele instante deveria iniciar-se para mim uma vida séria e de trabalho.