Expliquei-lhe que me parecia muito mais fácil deixar de comer três vezes por dia do que ter de tomar a cada instante a fatigante resolução de não fumar outro cigarro. Com tal resolução em mente não nos sobrava tempo para mais nada, pois só Júlio César sabia fazer várias coisas ao mesmo tempo. É verdade que ninguém vai querer que eu trabalhe enquanto estiver vivo o meu procurador Olivi, mas de que modo explicar que uma pessoa como eu não saiba fazer outra coisa no mundo senão sonhar ou arranhar o violino, para o qual, aliás, não tenho a menor vocação?

O gordo emagrecido não respondeu imediatamente. Era homem metódico e primeiro meditou com vagar. Depois, com ar doutoral, que lhe cabia dada a sua superioridade de argumentação, explicou-me que eu estava realmente sofrendo mais por causa de minhas resoluções do que propriamente pelo cigarro. Devia tentar deixar o vício sem uma expressa determinação. Em mim — segundo ele — com o correr do tempo se haviam formado duas personalidades, uma que comandava e outra que lhe era escrava, a qual, tão logo enfraquecia a vigilância, contrapunha-se à vontade do senhor pelo simples amor à liberdade. Era necessário conceder-lhe liberdade absoluta e ao mesmo tempo encarar meu vício como algo de novo que visse pela primeira vez. Era preciso não combatê-lo, mas descurá-lo, tratando-o com total indiferença, voltando-lhe as costas como se faz a alguém que achamos indigno de nossa companhia. Simples, não é mesmo?

Na verdade, a coisa pareceu-me simples. É certo que, tendo conseguido com grande esforço eliminar de meu espírito quaisquer propósitos, cheguei a não fumar por várias horas, mas, estando a boca isenta do gosto do fumo, senti um sabor inocente como o que devem sentir os recém-nascidos e veio-me o desejo de um cigarro; mal o fumei, porém, adveio o remorso e de novo retornei à resolução que havia tentado suprimir. Tratava-se de uma via mais longa, mas o fim era o mesmo.

O safado do Olivi um dia deu-me uma idéia: fortalecer minha resolução mediante uma aposta.

Creio que Olivi sempre teve o mesmo aspecto com que ainda o vejo. Sempre o vi assim, um pouco curvo, conquanto robusto. E sempre me pareceu velho, como velho o vejo agora que conta oitenta anos. Trabalhou e trabalha para mim, mas não gosto dele, pois penso que me impediu de fazer o trabalho que ele faz.

Vamos apostar! Quem fumar primeiro paga a aposta e depois ambos recuperamos a liberdade de fumar. Dessa forma, o procurador, que me fora imposto para impedir que eu dilapidasse a herança de meu pai, tentava diminuir a de minha mãe, então administrada livremente por mim!

A aposta revelou-se perniciosa. Já não era alternativamente senhor e escravo, mas só escravo, e de Olivi, de quem não gostava! Logo voltei a fumar. Depois pensei enganá-lo, fumando às escondidas. Mas, neste caso, para que a aposta? Tratei de procurar uma data que guardasse certa relação com a do início da aposta para poder fumar um último cigarro e assim, de certa forma, iludir-me de estar a cumpri-la. Mas a rebelião continuava, e fumei tanto que acabei angustiado. Para libertar-me do peso da consciência, fui a Olivi e confessei-lhe tudo. O velho embolsou sorridente o dinheiro da aposta e, em seguida, sacou um grosso charuto, que acendeu e se pôs a fumar com volúpia. Não tive mais dúvida de que ele cumprira a promessa. Compreende-se que os outros sejam diferentes de mim.

Meu filho acabava de completar três anos quando minha mulher teve uma idéia excelente. Insistiu para que eu me internasse por algum tempo numa casa de saúde, a fim de desintoxicar-me. Aceitei incontinenti, primeiro porque queria que meu filho, ao chegar à idade da razão, pudesse considerar-me equilibrado e sereno, e também pela razão mais urgente de Olivi andar adoentado e ameaçar abandonar-me. Tendo eu assim de assumir suas atividades de um momento para o outro, considerava-me pouco apto para tamanha atividade com toda aquela nicotina no corpo.

A princípio, pensamos na Suíça, o clássico país dos sanatórios, mas depois soubemos que um certo Dr. Muli acabara de abrir uma clínica em Trieste. Encarreguei minha mulher de procurá-lo, e ele se dispôs a colocar à minha disposição um pequeno apartamento fechado, onde eu ficaria sob cuidados de uma enfermeira, auxiliada por outras pessoas. Ao falar-me do assunto, minha mulher ora sorria ora gargalhava clamorosamente.